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As Invisíveis

Uma Comédia Reconfortante

Por Adriano Monteiro

As Invisíveis

A comédia francesa pode ser considerada um gênero cinematográfico à parte. O caso aqui em questão é um exemplo interessante da tradição dessa cinematografia de como explorar o drama social de pessoas reais à la neorrealismo italiano como tática infalível de riso de “nós mesmos”. O que poderia ser uma sátira em “As Invisíveis”, longa-metragem da diretora Louis-Julien Petit não chega a ser justamente por explorar um enredo de histórias reais do descaso do estado francês quanto as políticas de assistência social para mulheres. Semelhante ao ganhador do prêmio do júri em Cannes,“Os Miseráveis”, de Ladjj Ly, foca em um recorte específico da geografia da França, colhendo frutos, se diferenciando pelo enfoque na perspectiva feminina e, mais ainda, na utilização de uma estrutura de “filme-denúncia” (o que não deixa de ser). Termina por entregar uma sucessão de imagens que podem ser usadas sem pudor pelo movimento #MeToo americano.

“As Invisíveis” acerta em explorar a comédia de situações não tão engraçadas assim. É o que acontece em suas cenas iniciais de depoimentos para situar o enredo dentro do contexto do abrigo para mulheres L’Envol. Por muito as vítimas ali envolvidas necessitam dos serviços prestados por outras mulheres. A beleza e a moralidade do roteiro são articulados pela sororidade. O que cai muito bem dada a necessidade de narrativas mais representativas. O movimento do filme é orquestrado pelas “não-atrizes”, que fundamentam suas personagens com base em um passado muito parecido. A direção, embora, tinha tudo para ser documental, vai pelo caminho certeiro da ficção. As mulheres parecem livres para encenarem suas personagens nos tons dos mais diversos possíveis.

A história de “As Invisíveis” prossegue com o risco iminente do abrigo ser fechado pelo Estado. O dever das assistentes sociais (únicas atrizes profissionais do longa-metragem) é de proporcionar um caminho para as vítimas amparadas pela casa. Desde percursos menos éticos até aos mais nobres. O objetivo maior é poder atribuir um “valor de mercado” a essas pessoas, explorando seus passados, áreas de interesse e até mesmo habilidades aprendidas na prisão. O resultado é um exercício de solidariedade que não soa piegas, pois as relações estabelecidas entre elas transparecem honestidade. Há uma verdade difícil de ser alcançada, sem cair no óbvio ou maniqueísmo e hierarquia de valores. O resultado é uma obra que mais valoriza tais interações do que a própria linguagem utilizada. Sem muita novidade no “fazer cinema”, porém, não deixa de ser relevante em relação às discussões contemporâneas de igualdade de gênero.

A experiência se completa dentro de um roteiro bem articulado quanto a sua proposta. Há uma organicidade no texto e na comédia, respeitando um tempo próprio e montado a ponto de que quando chega ao drama, incomoda. É incessante a busca por um longa-metragem de muitas vozes em um verdadeiro filme-coral. No entanto, é inegável que algumas personagens ressoam mais e melhor na multidão. Ainda que, em dado momento, pesem a mão ao evidenciarem o plot de uma jovem, representada quase como uma rebelde sem causa e relativamente incompreendida pelas outras mulheres. No caminhar da narrativa é possível ainda conhecer um pouco mais a fundo histórias específicas dos dois lados da relação: quem ajuda e quem é ajudado.

Há uma balança de dramas cotidianos em “As Invisíveis” que se equilibra muito bem dentro de uma linguagem convencional, mas que foge, pelo roteiro, dos caminhos mais fáceis. É difícil identificar (acredito que alguém consiga) uma briga entre valores. A sensação de que todas estão no mesmo “barco” é realçada pela luta diária de um bem comum. É divertida a experiência à medida que esses objetivos são alcançados, pois embora as personagens estejam vestidas com a carapuça da caracterização, elas conseguem abrir um diálogo com o público pelo o que parece ser o mais espontâneo possível.

Ao aludir no início do texto ao neorrealismo italiano de Luchino Visconti e Roberto Rosselini tento trazer à tona a mesma intenção dessa produção, qual seja, a de buscar pelo realismo uma verdade aterrorizante das ações. Chega-se a essa conclusão pelo fato do uso de “não-atores” e de encontrar nos problemas sociais a força motriz da trama (ao mesmo tempo em que faz arte com denúncia). Ainda que colorido e hilário, “As Invisíveis” consegue incorporar alguns elementos do realismo pulsante ao construir uma atmosfera única de relevância social. Parece um prato cheio para quem busca se divertir e ao mesmo tempo não se sentir alienado dos noticiários globais. Talvez reconforte um pouco.

4 Nota do Crítico 5 1

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