Antônio Bandeira – O Poeta das Cores
O didatismo em tela
Por Vitor Velloso
Festival Cine Ceará 2024
O documentário “Antônio Bandeira – O Poeta das Cores”, dirigido por Joe Pimentel, apresenta-se como uma importante contribuição para a memória do pintor cearense, ainda pouco celebrado na cinematografia nacional. Apesar de sua relevância histórica e artística, o filme revela contradições entre a proposta de homenagear um artista profundamente ligado à abstração e à liberdade criativa e a escolha de uma abordagem excessivamente formal, convencional e didática. O resultado, embora informativo e bem-intencionado, limita-se a uma estrutura que pouco arrisca em termos estéticos e narrativos, o que pode comprometer sua capacidade de emocionar e surpreender.
Desde o início, o documentário se posiciona como uma obra pedagógica. A intenção de apresentar Antônio Bandeira ao grande público — especialmente àqueles que talvez nunca tenham ouvido falar do artista — é clara e louvável. No entanto, esse esforço vem acompanhado de um estilo quase mimético, que segue à risca fórmulas tradicionais da linguagem televisiva. O ritmo do filme é marcado por uma trilha sonora constante, que atua como guia emocional para o espectador, muitas vezes de forma previsível e pouco criativa. Um exemplo marcante dessa abordagem ocorre quando um dos entrevistados menciona o jazz como influência para a pintura de Bandeira e, imediatamente, uma trilha sonora jazzística invade a cena, como se o filme não confiasse na capacidade do público de estabelecer essa conexão por conta própria.
Essa necessidade de explicar tudo, de traduzir cada nuance da vida e da obra de Bandeira, por meio de imagens ilustrativas e comentários explicativos, transforma o documentário em uma espécie de visita guiada. A sensação que fica é a de que estamos diante de uma exposição mediada, em que não há espaço para o mistério ou para a livre interpretação — elementos tão presentes na própria pintura abstrata do artista. Quando alguma fala mais complexa ou subjetiva aparece, o filme rapidamente insere um contraponto mais simples e direto, como se temesse que o público se perdesse em reflexões mais profundas. Isso cria uma experiência nivelada, segura, porém contida, que pouco dialoga com a ousadia do próprio homenageado.
Ainda assim, é inegável que “Antônio Bandeira – O Poeta das Cores” tem seus méritos. O trabalho de pesquisa realizado é admirável, reunindo depoimentos de artistas, críticos, curadores e estudiosos que lançam olhares generosos e sensíveis sobre a trajetória de Bandeira. A montagem costura essas falas com imagens de arquivo e registros visuais que ajudam a compor um panorama abrangente da carreira do pintor. Em especial, há momentos tocantes que fogem, ainda que pontualmente, da rigidez formal predominante. Um desses momentos é protagonizado por Walter Carvalho, renomado diretor de fotografia, que lê um texto de Bandeira no qual o artista afirma: “Eu não pinto quadros, tento fazer pinturas.” A frase, aparentemente simples, carrega uma possibilidade de sintetizar a postura humilde e intuitiva do pintor diante da arte — e oferece uma chave de leitura sensível para sua obra.
É também louvável o esforço do filme em recuperar facetas menos conhecidas do artista, como seus escritos, que, embora não sejam a parte mais celebrada de sua produção, revelam um olhar único e sensível sobre o fazer artístico. Ao trazer esses textos à tona, o documentário contribui para ampliar a compreensão sobre Antônio Bandeira, indo além das telas revelando aspectos mais íntimos de sua personalidade.
Contudo, é impossível ignorar que a escolha por uma linguagem tradicional e pouco inventiva distancia o filme da singularidade que marcou a carreira do pintor. A rigidez da forma contrasta com o conteúdo apresentado e parece contrária ao espírito livre e vanguardista de Bandeira. Há uma tensão entre a tentativa de democratizar o acesso à sua obra — o que exige certa clareza e linearidade — e a necessidade de respeitar a natureza intuitiva, abstrata e sensorial da arte que se pretende celebrar.
Paradoxalmente, essa limitação estilística é também o que pode garantir ao documentário uma maior circulação em espaços como a televisão e as plataformas de streaming, onde se privilegia um formato mais acessível e familiar ao grande público. Nesse sentido, o filme cumpre um papel importante de divulgação e preservação da memória de um dos maiores artistas brasileiros do século XX, mesmo que, para isso, sacrifique parte da liberdade criativa que poderia torná-lo uma obra mais ousada e coerente com o legado de seu protagonista.
Assim, “Antônio Bandeira – O Poeta das Cores” é um projeto que se equilibra entre a homenagem necessária e a limitação estética. Sua principal virtude talvez seja justamente essa: provocar o debate sobre como contar a história de um artista, sem sufocar o espírito da própria arte.