Angela
Um desinteressado projeto
Por Vitor Velloso
É curioso perceber que algumas pessoas envolvidas no novo projeto de Hugo Prata, “Angela”, estrelado por Isis Valverde e Gabriel Braga Nunes, citam o podcast “Praia dos Ossos” como uma de suas referências para o desenvolvimento do filme. Não é possível dimensionar o grau de influência que houve aqui, mas com certeza foi muito baixo. Pena para o longa.
Talvez este seja um dos casos mais graves de falta de cuidado histórico do cinema brasileiro nos últimos anos. “Angela” pode se defender de tentar representar o escalonamento de um relacionamento abusivo, para argumentar que “existem várias Angelas no Brasil”. Contudo, a dimensão do caso em particular, extrapola o acontecimento que encerra a projeção do filme, sendo especialmente a repercussão social e jornalística ao longo do julgamento, que transforma o “caso Doca Street” tão comentado até hoje. Vale mencionar que o próprio nome do Doca na repercussão, escanteia a Angela Diniz. Não por acaso, a sinopse oficial da Prime Vídeo faz questão de ressaltar “um dos assassinatos mais famosos do Brasil”, ou como alguns veículos divulgaram: “O crime passional mais famoso do Brasil”. É nauseante ter contato com esse tipo de “manchete” e comentário.
E quando o filme decide encerrar sua narrativa no assassinato, demonstra um profundo desrespeito com a própria história posterior do caso, como dito anteriormente, um show de horrores por parte da defesa, da mídia e de um determinado setor da sociedade, que argumentava que ela era promíscua, com comportamento inaceitável e que Doca era apaixonado pela vítima. “Legítima defesa da honra”, a tese levantada na época, estava em debate até o presente ano no STF, o que demonstra um evidente atraso quando o assunto é feminicídio. Para encerrar esse debate e não tornar a experiência de “Angela” ainda mais degradante do que é, vale ao leitor escutar “Praia dos Ossos” e ter uma dimensão melhor do que foi o julgamento.
De toda forma, quando o projeto tenta se sustentar apenas como uma obra em si, sem obrigação histórica alguma, também falha gravemente, insistindo em criar algum clima de cinebiografia cronologicamente definido para atingir algum ponto de ruptura, neste caso o assassinato. Contudo, o profundo desinteresse pela história real, demonstrado por Hugo Prata, transforma o longa-metragem em um true crime importado, como um produto enlatado, onde há uma divisão entre cenas de sexo, briga e outras cenas de sexo. O espectador que não conhece a história de Angela Diniz, continua desconhecendo.
Enquanto a produção brasileira continua se virando para o true crime, Hugo Prata parece fazer um movimento de “muleta” em sua cinematografia, conseguindo se equilibrar entre a cinebiografia e a tendência mercadológica recente. Porém, é onde ele desliza ferozmente, pois sem saber desenvolver uma biografia com interesse em sua personagem e se recusando a contar a história do crime, mas sim os acontecimentos prévios, o diretor concebe um produto vazio, que mesmo se defendendo nos argumentos anteriormente citados, preza por uma estética de “paraíso em crise”, romantizando até onde se sente confortável. Ou até onde a montagem de Tiago Feliciano permitiu.
“Angela” é uma catástrofe. Uma demonstração de desrespeito absoluto pela história da vítima. Sem dúvida, o sucesso relativo do filme na plataforma pode gerar alguma sensação de dever cumprido para os produtores, mas aquele espectador que esperava uma narrativa que desse conta da história real, encontrou uma parcela da mesma. Um recorte preguiçoso e mal cadenciado, procurando o retrato da beleza natural, com a idealização trágica de uma história terrível.
Entrando como adição de catálogo na Amazon Prime Video, “Angela” é uma demonstração de retrocesso: nas cópias importadas do true crime para o Brasil, nas cinebiografias e na representação do feminicídio no cinema. É um resultado lamentável, de um projeto que tinha um excelente referencial para se basear, mas optou pelo formulaico e programático.