Amor, Doce Confusão
O caminhar desengonçado da crítica
Por Vitor Velloso
Festival do Rio 2025
O problema de se debruçar tão severamente sobre uma crítica ácida a uma característica da sociedade contemporânea é perder o senso de identidade em meio a representações atravessadas por um “checklist” de clichês e estereótipos, vacilando em um caráter incisivo que permitiria ao espectador estabelecer um ponto de corte entre a crítica e a convergência — ainda que inconsciente — com essa verve que é alvejada ao longo do projeto. “Amor, Doce Confusão”, dirigido por Toti Loureiro, é constrangido por sua própria “peçonha”: ao tentar compreender esse “fenômeno” no recorte dos relacionamentos amorosos contemporâneos, não é capaz de realizar tal distinção.
Nesse sentido, sofre do mesmo problema de “Demônio de Neon” (2016), de Nicolas Winding Refn, que, ao tentar esvaziar seu projeto para explicitar o caráter inócuo de parte desse universo, acaba se tornando parte de seu próprio objeto de crítica. Assim, conforme o espectador avança em “Amor, Doce Confusão”, a sensação inicial de incômodo — pelos diálogos expositivos e por todo o desenho de um filme “pseudo-francês-romântico” — deixa um amargor incontornável na experiência, pela constatação de um produto que se articula de forma tão esnobe quanto parte de seus personagens.
Após o esclarecimento satírico, a vulgaridade das situações já está tão estabelecida que se torna difícil compreender o início da piada e o fim da crítica, parecendo haver uma confusão entre esses dois termos. O problema é que, mesmo com uma linguagem assumidamente programática, que acolhe o absurdo dos diálogos e de alguns personagens, o filme não consegue se desvencilhar de uma aproximação inevitável com seu objeto. Sem dúvida, é um exercício difícil travestir-se de um sintoma contemporâneo — com cacoetes visíveis — sem se tornar um.
Contudo, se o projeto tem dificuldade em encontrar uma solução para isso, ao menos possui uma ou outra cena capaz de divertir o espectador, apresentando diferentes perspectivas de lidar com uma mesma problemática, ainda que sob uma diferença geracional que pode acrescentar algum tipo de debate para além da verve desengonçada de resolução de problemas desses personagens mergulhados em estereótipos. Ainda assim, não é o suficiente para sustentar o longo e monótono filme, que não consegue sair de um único ciclo de questões, mesmo com variadas histórias em sua estrutura. Dessa forma, atravessar todas as investidas cômicas repetitivas e as proposições satíricas de “Amor, Doce Confusão” pode ser difícil para uma parcela do público, que tende a se aborrecer rapidamente com a sensação de não sair do lugar.
Apesar de compreensível, a estratégia estética de utilizar o preto e branco como um padrão estilístico — que remete a esses produtos de uma indústria cultural europeia formalizada há alguns anos — revela a fragilidade das ideias do projeto, pois não consegue operar em um tom diferente dessa articulação. É curioso pensar como essa necessidade de uma parcela do cinema contemporâneo de se colocar em um lugar-comum para refletir sobre questões estéticas, sociais, políticas e econômicas acaba se tornando uma armadilha formal e ideológica desses projetos. “The Square: A Arte da Discórdia” (2017) e “Triângulo da Tristeza” (2022), ambos dirigidos por Ruben Östlund, apresentam fragilidades semelhantes: um processo raso de formular críticas em um falso domínio estético e do próprio debate que propõem. Não há razão para comparar Östlund com Toti Loureiro, mas sim o resultado final de seus produtos. Östlund é incapaz de sair de uma lógica fajuta e ignóbil de refletir a superfície de temas complexos; Loureiro apenas parece perder a mão nessa proposta de irreverência.
“Amor, Doce Confusão” tem pontos de partida interessantes, mas enfrenta muita dificuldade em desenvolver esses argumentos dentro de uma estrutura mais sólida, mantendo-se em um senso comum que dificulta a manutenção da atenção dos espectadores ao longo da projeção. Entre tantos cacoetes visíveis, a necessidade de sustentar a verve satírica do início ao fim cobra um alto preço por tornar-se cíclica; além disso, a falta de uma elaboração que fuja de uma proposta tão superficial também incomoda gravemente.Há um certo lado cínico em querer flertar com esse padrão, seja de forma fortemente consciente ou inconsciente, mas é, sem dúvida, uma expressão ideológica dos tempos contemporâneos, em que, mesmo na crítica, há uma base que se intimida em ir além da obviedade. Uma pena, pois o dedo aponta para questões interessantes de serem debatidas na sociedade de hoje.