Alegorias
Hoje não vou vadiar
Por Vitor Velloso
Durante a Mostra de Tiradentes 2023
Depois de uma chuva de verão durante a 26 Mostra de Tiradentes, que impediu a chegada de muitas pessoas à sessão de “Alegorias” no Cine-Tenda, pude conversar com o público que conseguiu assistir à projeção. As reações iniciais não foram muito amistosas e os comentários isolados possuíam o poder de unir as pessoas no lounge para debater o novo filme de Leonel Costa. Após unir algumas das impressões, foi possível constatar que ninguém estava satisfeito com o resultado final da obra, nem mesmo pessoas próximas à produção.
O título do filme não permite equívocos e já expõe parte das estratégias de debate que o projeto procura perseguir, trabalhando com pequenas situações que podem indicar um caminho “comum” da sociedade conservadora brasileira contemporânea. Seja com a intenção de demonstrar o passado escravista que rege parte do sistema capitalista de hoje ou para explicitar o ódio das classes mais abastadas, “Alegorias” cria essa série de causos para atingir analogias capazes de debater essa realidade. Contudo, se o passado histórico brasileiro parece encontrar algum reflexo em trechos como “Eu trabalho pro filho, minha mãe trabalhou pro pai”, as possibilidades de debate cessam na superfície, como quem não possui um arsenal para um pensamento crítico, mas quer emitir uma opinião, ainda que fortemente ancorada no senso comum. Aqui, não se trata de estar certo ou errado, não é essa a questão. O problema é que essa forma se esforça para conseguir algum coro na sessão, algum adepto que se manifeste pelos encerramentos de temáticas. Essa é uma contradição gritante em um projeto que promove criar “alegorias”, pois não há espaço para uma discussão que abarque os fatores históricos e materiais, apenas uma crítica moral de um problema estrutural da sociedade brasileira.
Assim, não há como achar graça do próprio estereótipo formalizado na figura de Reinaldo Plirtz (interpretado por Pedro Henrique Moutinho) ou de seu gosto por slogan prontos, assemelhando-se aos coach da internet. Até esses momentos supostamente cômicos são frágeis, já que as piadas e frases são óbvias demais para gerar alguma reação sincera. Da mesma forma, os retratos concretos das personagens Tamiris (Francisca Paz) e Francisca (Thamiris Mandú), são construídos para funcionar em pequenos gatilhos em cenas, como um mero dispositivo para conseguir aquilo que o título expõe com orgulho, “Alegorias”. As atrizes se esforçam para construírem alguma base minimamente sólida de desenvolvimento das personagens, mas são impossibilitadas pelas limitações de um roteiro que não sabe como caminhar à sua apoteótica resistência popular ou de uma montagem que se vê incapaz de construir uma cena sem fragmentar ela como um projeto universitário. E se todas as questões formais do longa não são o suficiente para retirar o espectador de sua concentração, os problemas técnicos vão se amontoando ao longo da projeção. Em determinados momentos os diálogos tornam-se praticamente inaudíveis, o som despenca, algumas falas de personagens surgem estouradas, a mixagem durante o diálogo demonstra uma disparidade acentuada de um ator para o outro etc.
São inúmeros problemas que tornam ainda mais difícil algum momento agradável durante as quase duas horas de filme. Aliás, se o espectador se esforçar para abstrair todas essas questões, terá de se deparar com frases de efeito fabricadas com um teor moral frágil, como “Rico nenhum presta” ou a trama central de “Alegorias” que possui até algum potencial, mas é desenvolvida sem nenhum tipo de critério lógico e as cenas vão ficando cada vez mais soltas.
A Mostra Olhos Livres costuma possuir obras de grande destaque em Tiradentes, como foi “Sertânia” em 2020. Mas em 2023, a Aurora conseguiu o maior número de destaques e infelizmente o filme de Leonel Costa não conseguiu nenhum adepto, ao menos das pessoas que pude conversar na saída da sessão. Com cenas sem sentido, coisas fora de lugar, problemas no som e dificuldade de escutar diálogos, a sensação que fica é que o longa não estava pronto para ser exibido e o corte enviado foi feito às pressas.
Além do título do presente texto, retirado diretamente do filme (ainda que não seja original), uma frase, de conteúdo moral, pode provocar algum tipo de reação imediata no espectador: “Um país sem carnaval, seria um país ainda mais sem memória”. E mesmo aqui, não há nenhum desenvolvimento que venha a corroborar com esse pensamento, apenas o senso comum.