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A História da Minha Mulher

Quando o que se sabe sobre uma mulher vem das projeções de um homem

Por Paula Hong

A História da Minha Mulher

Insegurança, desconfiança, interesse, raiva, amor, desejo carnal, controle e traição são, em muitos casos, alguns dos elementos que compõem (não nessa ordem) dinâmicas nada saudáveis dentro de uma relação, sobretudo amorosa. Desses elementos, os mais negativos tendem a se sobressair numa cadeia de ação e consequência, de modo que a clareza racional se torna vacilante, e as lacunas da incerteza são preenchidas por suposições que reforçam tipos de comportamento negativos e reativos de uma narrativa interna sem embasamento na realidade.

Isso é uma das coisas que “A História da Minha Mulher, novo filme de época da diretora húngara Ildikó Enyedi, mais conhecida pelo belíssimo “Corpo e Alma” (2017), pouco consegue desenvolver ao longo das suas cansativas 3 horas de duração. O título engana quem espera que um marido narre a história de sua esposa. A verdade é que pouco sabemos sobre ela e, o que sabemos, são pressupostos e suspeitas de um homem extremamente inseguro, instável, perdido, confuso e facilmente manipulável por quem integra seu cotidiano.

Os primeiros minutos de “A História da Minha Mulher traçam um belo panorama de contrastes na vida do capitão Jakob Störr (Gijs Naber): são longos meses confinados num navio que transporta cargas para diversos países da Europa ao mesmo tempo que se tem contato com paisagens incríveis, outras culturas e diferentes funcionários, geralmente jovem-adultos. Estar rodeado pela infinitude dos oceanos, pela jovialidade dos funcionários e desfrutar dos privilégios do alto cargo daquela hierarquia não anulam a aparente solidão que o arremete quando está em terra firme. A fotografia dá conta de apresentar esse prólogo com planos abertos, capturando a tímida interação que ele tem com espaços de atividades intensas, como no porto e na área comercial das cidades que desembarcam.

Influenciado pelo cozinheiro do navio, ele resolve se casar. A expectativa de que os desconfortos daquela vida, sobretudo físicos, seriam resolvidos com uma união matrimonial o impulsiona a confessar para o amigo que irá se casar com a primeira mulher que adentrar o café no qual conversam. Por sorte, a mulher com quem tenta a sorte é uma francesa chamada Lizzy (Léa Seydoux). Dali a uma semana, eles se casaram de fato. Essa é a primeira ação prática colocada como o primeiro capítulo de sete que irão se seguir, dividindo o filme em sete partes, cada qual oferecendo uma “solução”, “reflexão” ou “ensinamento” com base nas experiências de Jakob dentro do casamento.

Dentro dessas divisões, há poucas variações de planos e composições visuais divergentes. Há condução fluida dos acontecimentos e outros aspectos, como a banda sonora, a transição entre cenas e o tempo corrente que respeita a mise-en-scène. Tal escolha assegura uma estética que, em termos técnicos, funciona muito bem. Com isso, “A História da Minha Mulher segue o enlace desse casamento prematuro, no qual a química entre Lizzy e Jakob é inegável, sustentada pelas atuações convincentes e, a depender da cena, cativantes.

O desenrolar do envolvimento e construção de uma relação onde o amor e as negociações nas dinâmicas de poder sofrem com a falta de constância de Jakob, da ausência de flexibilidade em aceitar sugestões de Lizzy para melhorar a relação, da desconfiança crescente nela pela liberdade, leveza, magnetismo e audácia inerentes à sua personalidade, e pelo fato mais óbvio: eles não se conhecem. E, mesmo estando ciente de que traições pode acontecer, a mentalidade de Jakob sobre o assunto muda em momentos pontuais com Lizzy, quando observa o quanto é cortejada por outros homens.

Uma das características mais fortes — e talvez, mais decepcionantes, embora também interessantes — da obra reside no que podemos pressupor de Lizzy a partir das lacunas e dúvidas levantadas por Jakob, pois são nessas lacunas que a vida dela acontece — longe dele enquanto trabalha no navio, podendo decorar o apartamento como pode, sair, fazer amigos. Nós construímos um imaginário de quem é Lizzy em oposição a ele. A impressão que se tem é de que ela é uma mulher difícil de ler, de entender, quando na verdade é ele quem projeta suas dúvidas e inseguranças nela, frequentemente tomado por orgulho, caos sentimental e uma crescente necessidade de controle, de modo que passa a procurar por emprego nas cidades que residem, e não mais como capitão de navio. Ele arruína o próprio casamento por não saber lidar com a decadência que acomete contra sua vida profissional e matrimonial.

Por fim, a problemática não está tanto no fato de que “A História da Minha Mulher deriva de uma obra literária, amarrada na obra fílmica por uma co-produção internacional bem feita, e tampouco na escolha da diretora de se distanciar de um protagonismo feminino, mas sim na transformação de uma história simples em algo desnecessariamente vagaroso, num personagem principal francamente chato, e cuja narrativa foi dificilmente sustentada pelo visual estético bonito e pelo forte elenco, de forma que assistir ao filme se torna quase como uma prova de resistência à sonolência e ao medo de perder algo essencial que vá acrescentar ou magicamente tornar o filme interessante.

2 Nota do Crítico 5 1

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