A Festa de Léo
Criança adulta
Por Vitor Velloso
Durante o Festival do Rio 2023
Existem muitos filmes que procuram serem enquadrados em um lugar de aceite generalizado, por todos os públicos e padrões de consumo, mas normalmente esse tipo de produto tende à uma fórmula pré-concebida particularmente desonesta consigo, com o espectador e com o tema. “A Festa de Léo” poderia facilmente cair nessa armadilha, especialmente pela coprodução com a Globo Filmes, que não deixa o espectador se iludir com os rumos dessa narrativa, porém é neste ponto que o trabalho de Gustavo Melo e Luciana Bezerra consegue algum destaque, pois o longa-metragem não faz questão alguma de fugir dessa estrutura protocolar, de um produto feito por encomenda, quase emulando algum caráter publicitário, mas nunca perde sua honestidade durante essa trajetória.
Desde os primeiros minutos, o filme assume uma estrutura tão didática e digerível que pode incomodar parte do público, seguindo uma narrativa quase demarcada, cumprindo checklists e com características explícitas televisivas. Porém, para cada diálogo excessivamente expositivo, por vezes desnecessário, visto que está tudo exposto na imagem, atuações questionáveis e fórmulas estabelecidas pelo mercado dominante (Globo Filmes), há uma sinceridade notável na produção. Assim, mesmo que o amargor deixado pelos esquemas criem uma certa suspensão na imersão da história, a paixão envolvida no projeto é tão perceptível que dificulta qualquer insistência antipática por parte de espectadores isolados. “A Festa de Léo” é um produto sintomático com uma diferença dos demais, ele não se projeta enquanto representação mimética, ou mesmo reprodução às cegas, ele é um sintoma na medida que abraça a realidade concreta, reproduz uma série de padrões sociais e é apresentado como um produto de seu meio. E essa característica é particularmente interessante, pois a maior parte dos filmes e produtos sintomas, se moldam para atingir determinada expectativa, seja essa modulação consciente ou não, e o filme dirigido por Gustavo Melo e Luciana Bezerra, parece ter plena consciência de que sua estrutura é agradada e aprovada por uma representação da opinião pública, particularmente construída pela grande mídia, mas que assume sua perspectiva com tanta paixão, que torna-se realização pessoal dos seus envolvido.
E essa honestidade sobressai na obra, mesmo quando há um caráter mais ambicioso de construção de uma estética conhecida, com cenários conhecidos, atores conhecidos e tramas “repetidas”, “A Festa de Léo” se orienta para criar planos e situações próprias. O pai, interpretado por Jonathan Haagensen, fumando um cigarro enquanto escuta a cantoria alegre das mulheres no terraço, criando não apenas o contraste dramático, mas imagético, já que ele está sentado na escada com a luz azul, absolutamente artificializante mas eficiente, com elas dançando e cantando “conselho” com o sol nascendo no fundo, além da razoável quantidade de cervejas vazias expostas. Ou seja, apesar de esquemático, possui uma ambição, mesmo que de caráter quase publicitário, mas funciona pela sinceridade da narrativa, que atrelada ao didatismo, consegue colocar em prática anos de estruturas de clipes musicais, traços televisivos, representações múltiplas em uma única história, recheada de confirmações populares, como a honestidade do pobre frente à classe média/alta, sua dedicação e facilidade de encontrar soluções para as situações mais graves, não por acaso a escolha de “conselho”. Por fim, nada necessariamente se resolve, mas há um novo dia raiando, novos problemas e novos desafios. Deste modo, a trajetória de Léo, interpretado por Nego Ney, funciona como síntese, tendo de assumir responsabilidades maiores que deveria, na vida e no futebol. Ou mesmo, como Rita, interpretada por Cintia Rosa, tem de enfrentar um leão a cada minuto, resolvendo todos os problemas do mundo, exceto seus próprios.
“A Festa de Léo” não consegue desenvolver nenhum de seus personagens à fundo e seus dramas são a exposição de uma situação específica, que é a trama da obra, mas possui a honestidade de entregar um produto que assume seus problemas e suas representações reproduzidas como uma forma de didatismo e síntese, sem ter vergonha disso ou de incorporar os padrões formulaicos da Globo Filmes em todas suas possibilidades. Não há como negar os inúmeros problemas, também não há nenhuma necessidade de disparar contra uma obra que é mais sincera que tantas outras aclamadas ao redor do mundo, por cumprir pautas e se aliar à estéticas tipificadas por grupos específicos como “alto padrão”. E é nessa humildade que reside seu grande trunfo. Por fim, vale mencionar que “Linha de Passe” (2008), de Daniela Thomas e Walter Salles, possui uma característica semelhante, de apresentar situações, conflitos e realidades sociais caóticas, com a diferença da humildade em reconhecer na paixão seu maior mérito.