A Cisterna
Entre o cosmético e o suspense
Por Vitor Velloso
Em uma mistura de “Curral” (2021) com os filmes norte-americanos em torno de jornalistas, “A Cisterna” mostra como o “cinemão” brasileiro é diretamente dependente da fórmula estadunidense. O filme de Cristiano Vieira não se diferencia das motivações de um “Spotlight: Segredos Revelados” ou de um “The Post – A Guerra Secreta”, que é criar uma fantasia em torno do ofício jornalístico e relembrar os padrões criminosos de determinados políticos. Em suma, mostrar como a corrupção é um cancro moral que atinge a sociedade em diferentes níveis e classes. Porém, tudo está sempre ligado à máxima criativa do “Inspirado em eventos/fatos reais”, onde uma proteção para as fragilidades do projeto é rapidamente colocada como uma vertente ideológica onde a “verdade” deve ser revelada e/ou ocultada pelos poderosos. A obsessão do projeto é mostrar como uma celebridade televisiva que “enfrenta” as autoridades vai parar em uma cisterna e como a luta pela sobrevivência passa pelo enfrentamento direto como uma certa “realidade” nacional, a seca.
Bom, o grande cosmético aqui em “A Cisterna” é que tudo funciona como uma gatilho pragmático para a idealização, em diferentes termos, desde a superexploração do trabalho ao chileno que se torna o mediador da moral entre o “bem” e o “mal”. Fernanda Vasconcellos pode ficar cinco meses presa em cativeiro, mas sua maquiagem é irretocável, nenhuma poeira é capaz de atingi-la e suas tentativas de sair do buraco em que foi jogada, é atravessada por uma série de cenas constrangedoras, como a briga que resulta em uma morte, os diálogos terríveis que procuram mostrar o “conflito” cultural que marca o Chileno e seu amigo ou mesmo as desculpas do chefe para uma negligência tacanha que é incapaz de convencer o espectador em qualquer circunstância. E não porque essa corrupção é estrutural e somos capazes de perceber a falcatrua, mas sim por um punhado de interpretações duvidosas que já são apresentadas na primeira cena, aquelas festas charmosas da alta sociedade (típica de Hollywood), onde a cada novo corte o espectador se depara com planos que “expõe” essa falsidade daquele universo.
O curioso é perceber que não trata-se de um dispositivo utilizado ocasionalmente, tudo na obra é falso, as tensões são frágeis e o contexto político que é apresentado está tão distante da objetiva, que cabe ao espectador ir divagando e raciocinando sobre motivações e possíveis resoluções. Se a intenção era gerar alguma curiosidade ou expectativa em torno dos acontecimentos, o oposto acontece, as coisas ficam cada vez mais desinteressantes e tacanhas, o tédio toma conta e dificilmente sentimentos um grande ímpeto em seguir uma projeção que não nos apresenta nada. É uma série de fragmentos narrativos que não conseguem formalizar uma unidade sólida. Diferentemente dos sonhos do norte, onde algumas cenas conseguem funcionar de maneira isolada, em “A Cisterna” nada funciona, nem os planos com drones (tentando fazendo uma contextualização espacial mambembe), nem os conflitos regionais, muito menos a sensação claustrofóbica da situação em que a personagem se encontra.
Tudo é clean e estéril, não fugindo à regra das aparências e sempre estetizando o que pode, não por acaso um dos poucos momentos em que a câmera segue com mais paciência algum objeto em cena, é justamente as pessoas carregando baldes de água. Se quisermos utilizar uma palavra da moda, poderíamos categorizar que as ideias do filme são tão frágeis e desvirtuadas pelo desejo de parecer-se com o padrão norte-americano que a base dessas ideias são: perenes. Como o mercado de cinema brasileiro é dependente dos câmbios from algum lugar, a linguagem caminha para essa padronização, mas não é um caso internacional direto, ainda que a exibição na Mubi não nos deixe enganar. De toda forma, o público poderá assistir “A Cisterna” virtualmente, o que mostra qual o direcionamento de mercado. Não deve conseguir uma grande repercussão ainda que seu caráter global provoque alguma reação imediata.