Zappa
A desejo impulsivo
Por Vitor Velloso
Durante o Festival É Tudo Verdade 2021
“Zappa” de Alex Winter presente nos Programas Especiais da presente edição do É Tudo Verdade, é um daqueles documentários que reúne uma quantidade de material de arquivo surreal e que tenta costurar isso com a grandeza de seu objeto cinematográfico. O filme possui uma difícil tarefa, compreender a vida e a carreira de Zappa em um espaço limitado de exibição. Para quem não conhece o artista tão bem, pode ser uma boa introdução à sua história, os fãs irão se deliciar com algumas raras imagens aqui exibidas.
A temática não é pouco espinhosa, a figura do artista é um ponto fora da curva na cultura norte-americana e seu trabalho nem sempre esteve de acordo com a indústria musical. Contudo, o longa trabalha de maneira cautelosa para estruturar uma argumentação que consiga abranger diversos aspectos de sua criação. Da influência de música “erudita”, clássica, aos delírios experimentais de um estilo tantas vezes demonizado. Se seu talento era visto como algo irreconhecível, sua fome de produção era compulsiva e delirante. E o documentário se esforça para encaixar esse brio vulcânico em uma montagem que salta ferozmente de uma imagem à outra, mantém-se acelerado de forma constante e não hesita em recorrer à entrevistas para fomentar sua particularidade e comportamento “transgressor”.
As provocações feitas pelo protagonista são perpetuadas pelos depoimentos que relembram que o espírito de “Zappa” não era domável pelo mercado. Por tal postura, algumas contradições políticas do guitarrista são explícitas e poderiam ter sido mais exploradas no documentário, que mantém a perspectiva em uma tônica pessoal e intimista, sempre dando voz à compreensão de momentos distintos de sua carreira, para isso tecer breves comentários em torno de atitudes que foram tomadas. É uma perda de oportunidade de poder polemizar, tal como fazia. Mas não surpreende, afinal é um projeto que surge em uma veia comercial e se vê obrigado a adaptar-se aos moldes industriais para ser minimamente vendável. E ainda assim, consegue alguns feitos curiosos. Winter busca representar esse impulso de Zappa na própria estrutura e é bem sucedido na maior parte do tempo.
Como um expurgo da caixa de pandora direto para as notas musicais, contidas pelo temperamento do guitarrista, o filme deve tentar sintetizar essa obsessão compulsiva em uma exibição que possa ser incorporada pela indústria, ou seja, minimamente didática. Efetivo em explicações, mas carente de ritmo o barato começa a ficar cansativo relativamente rápido. A tentativa de compactar esse frenesi acaba dilatando a experiência em uma percepção de excessos e prolongamentos cíclicos desses estilos que “Zappa” compreende. Contudo, é da metade pro fim que o negócio começa a ficar mais tedioso, aquele tom visceral se perde, o filme assume algumas veias decadentes do fim da carreira do artista e suas contradições se tornam cada vez mais explícitas. Novamente, essas entrevistas pouco provocam na percepção do espectador diante do protagonista, apenas exalta sua figura ou “explica” os bastidores de algum evento midiático.
A conturbada vida pessoal recebe um destaque maior que questões gerais que modificaram os rumos de sua arte no fim de sua trajetória. A aproximação com determinados dogmas e urgências democráticas são acompanhadas dos momentos mais desinteressantes do documentário, onde a falta de tom crítico diante de um artista que se ergue inicialmente contra grilhões capitalistas (agora alinha-se com diversos deles) mostra que a proposta de Winter é uma exaltação da arte, mostrando os “problemas” pessoais do artista e sua vida “turbulenta” entre a fama e o brio incessante na produção.
“Zappa” é um filme de altos e baixos que é capaz de entreter, construir um bom panorama e apresentar um artista com uma verve que se assemelha à produção. Mas deixa ao espectador o tom crítico diante dessas contradições políticas que tanto marcaram seu início e fim de carreira. Entre uma produção incessante e a vontade de sempre realizar algo diferente do anterior, o guitarrista conseguiu um lugar ímpar no século XX e manteve o ímpeto da não-inércia até os últimos dias. Mas mudou o suficiente para que o longa achasse espaço para uma crítica ou diagnóstico de um contexto maior.