Wicked
A magia de se recontar uma história
Por Bê Oliveira
Como é bom, mais uma vez, percorrer a estrada de tijolos amarelos e ver a magia ganhar vida! A nova versão cinematográfica de “Wicked”, dirigida por Jon M. Chu, nos traz às telas o espetáculo da Broadway e demonstra que reimaginar narrativas consagradas pelo tempo, com um verniz contemporâneo, pode injetar uma renovação vigorosa a histórias já consolidadas. “Wicked” (parte 1) mostra respeito pelo original, mas também adicionam ao enredo e às músicas ainda mais vivacidade, dança e adequação para os espectadores de hoje.
O musical, tão premiado há anos, destaca-se pela narrativa, que traz um novo olhar ao mundo do grande mágico de Oz, pela profundidade de suas personagens. Mas o que o novo “Wicked” faz mesmo é expandir esses aspectos, destacando nuances emocionais mais ricas, como por exemplo o abismo existencial entre as personagens de Elphaba, a nossa Bruxa Má do Oeste (Cynthia Erivo) e Glinda (Ariana Grande). Elphaba é uma pária social, somente pela cor de sua pele, que nesse caso é verde, enquanto que a personagem de Glinda (Ariana Grande) é o estereótipo perfeito da miss popularidade da escola mesmo sem sequer se esforçar para receber elogios e aplausos. A construção das personagens é gradativa; elas parecem mais humanas, com camadas que despertam empatia no espectador, que é carregado pelo carisma dessas pessoas e criaturas deste mundo mágico – e como eles mesmos dizem – “fantabuloso”.
A cena de conexão das personagens, o grande ponto de virada dessa inimizade, que se torna uma amizade de fato, é feita inteiramente com a expressão corporal das atrizes, que se entregaram totalmente à cena, de uma forma tão singela que por um segundo inteiro você até esquece que é uma história expansiva e espalhafatosa cheia de efeitos grandiosos e orquestras gigantescas tocando ao fundo de cada uma das cenas. Aqui, nós somos conduzidos por essa conexão que vai sendo estabelecida pela expressão artística da dança e pelo simples toque de mão que revela a potência dessa história e também a da história que inicialmente nos mostrou Oz: a humanidade dessas personagens, desde a incompreendida Bruxa má do Oeste até o homem de lata que só queria um coração para sentir.
Assim, a verdadeira força motriz não é o elemento mágico e sim o fator e a essência humana. Algo que vale o destaque no novo “Wicked” é a participação especial das atrizes da versão original Kristin Chenoweth a Glinda no teatro junto de Idina Menzel que interpretou Elphaba. Essa escolha não apenas presta uma homenagem à obra que deu origem ao filme, mas também adiciona um toque de nostalgia para os fãs de longa data. Suas vozes, ainda cheias de carinho e devoção a esse legado, misturam-se de maneira cômica e com um ar de “essa é a nossa herança para vocês” ao elenco atual, criando uma conexão forte entre passado e presente dessa obra que completa 21 anos desde sua estreia nos palcos. É preciso fazer também uma menção honrosa ao “querido” Peter Dinklage, nosso eterno Tyrion Lannister de “Game of Thrones”, que aqui dubla o Dr. Dillamond, um dos animais falantes e professor na escola de magia. Dinklage entrega bom trabalho de voz e se arrisca em um sotaque carregado e desde o primeiro instante em que aparece em tela, nos encantamos com esse bode tão bem articulado com as palavras e toda a eloquência de um professor renomado.
Mas nem só de sorrisos e gracinhas se faz um filme musical. As canções, neste caso, é o elemento coração pulsante da obra. Mantendo os clássicos que marcaram a história original, a produção inclui novos arranjos que conseguem honrar a melodia, trazendo uma sensação de renovação. Para quem tinha ressalvas com o casting de Ariana Grande no papel de uma das protagonistas pode ficar sossegado, ela está exatamente no tom do filme e sua parceira de holofote não fica atrás. Cynthia Erivo transmite emoção em cada nota e movimento de corpo – que não são poucos. Destaco inclusive a performance de “Defying Gravity”, a música que define a gênese de Elphaba, que brada para toda a cidade esmeralda ouvir: Eu cansei de aceitar limites só porque alguém diz que eles existem. Não é apenas emocionante, é uma catarse!
O visual deste mundo lúdico, apesar de povoar nosso imaginário com os clássicos, ainda tem espaço para inovação. Se a primeira versão era reconhecida por sua simplicidade cativante, esta reimaginação é um espetáculo imagético. Os cenários são vibrantes, vivos e cheios mesmo de magia, misturando tecnologia e arte de forma harmônica, enquanto os figurinos exaltam a personalidade de cada personagem, com exageros e extravagâncias, óbvio, mas na medida precisa para se criar uma atmosfera que se espera de um conto de fadas. Pra quem gosta do clássico, vale conferir e revisitar esse mundo encantado, e para quem nunca sequer ouviu falar, vale muito a pena conhecer através dessa nova versão.