We Are Who We Are
A guerra nossa de cada dia
Por Fabricio Duque
Selecionado para a Directors’ Fortnight da Quinzena dos Realizadores do Festival de Cannes 2020 (edição cancelada devido à pandemia), a série “WAWWA – We Are Who We Are” (2020, tradução literal “Nós somos o que nós somos”) de 8 episódios, com 60 minutos cada, do já cultuado diretor Luca Guadagnino (de “Me Chame Pelo Seu Nome”), que estreou na HBO, encerrou nesta semana a temporada com seu último capítulo (os espectadores podem conferir todos na plataforma HBO GO).
“We Are Who We Are”, sobre a histórias de jovens vivendo em uma base militar americana na Itália, reitera a característica principal de seu realizador, a de buscar traduzir a espontaneidade do cotidiano por micro-ações invisíveis, como se quisesse captar o próprio tempo real, em uma ambiência orquestrada à metafísica. Os planos rápidos, subjetivos, ora contemplativos, ora videoclipes, apresentam-se como exercícios da linguagem arthouse, estética hipster por modernizar estilos contraditórios, os integrando ao meio como forma de contraste, julgamento e estranheza.
“WAWWA” pode soar estranho, distante e incompatível com nosso olhar. Mas por que? Uma das possíveis respostas é a análise comportamental destes jovens que existem como forasteiros, momentâneos, experimentando uma estendida estadia turística, entre crescimentos, amadurecimentos, egoísmos, descasos, vulnerabilidades e imaturidades. Tudo é transpassado para naturalizar a fluidez não binária destes seres em construção em meio à guerra (morte, vida, vitória e perda).
Assim, toda a narrativa pode ser embasada, que acontece especialmente por elipses temporais, por pausas-epifania e pela liberdade impulsiva, inconsequente, mimada e sensível demais de uma geração que não sabe lidar com as sensações desconhecidas (estimulando a fuga nas drogas, na agressividade, nas bebidas, na letargia, no sexo), expondo suas fragilidades de jovens “representantes do futuro”. O que realmente incomoda é que essas reações são relevadas e tratadas como consequências de traumas e lutos, apesar de toda liberdade, são prisioneiros no politicamente incorreto da moralidade dos outros, até porque o que a América nos passa é a de que a aparência ao próximo torna-se mais importante que os próprios quereres e desejos.
Quando Fraser, um personagem deslocado do meio em que vive, se expressa de forma não convencional (e dentro dos padrões de “moda permitida” pela sociedade), é taxado e adjetivado com limitações rotuladas, só porque usa roupas femininas e esmalte nas unhas, já “ganha” o status de “maricas”. O que Luca quer é desestruturar a mentalidade, permitindo assim que nossos olhares possam se expandir a múltiplas possibilidade de personalidade. Contudo, como foi dito, o que nos distancia não é a estética mais pretensiosa em traduzir instantes, tampouco a artificialidade aprofundada das relações humanas (uma crítica óbvia e explícita), não, a questão que mais desengonça é a percepção dessa “geração Nutella”, perdida em regras confusas, por leis “ditadas” para “robôs-zumbis”, sem flexibilidades.
“We Are Who We Are” talvez possa ser mais explicado se observamos que Luca Guadagnino é italiano e que esta base militar em seu país não só muda a natureza local, como também influencia a mudança da própria cultura. Os americanos são retratados com ego, poder, soberania e invencíveis (destroem casas e vivem “como reis”), ideologia este citada pelos discursos do presidente Donald Trump de “fazer a América grande de novo”. Um dos alunos, como “advogado do Diabo”, diz “Mas nós (americanos) invadimos o país deles (Afeganistão)”.
Seu diretor, em outro talvez, também nos estimule a pensar (e sentir) de que almeja “repetir” o sucesso de “Me Chame pelo Seu Nome”. Se no filme, a atmosfera adolescente é conduzida pelo mundo adulto, aqui, então, é o contrário. Seus personagens instruem a mudança a seus pais e vizinhos, que precisam se adaptar aos caprichos dessas “crianças grandes”, pequenos “tiranos” em “deslizes” fundamentados. Mas um dúvida nos assola? Ao aceitar essa forma comportamental não estamos compactando e potencializando esse “novo futuro”? Concluindo, a pergunta será retórica e aberta, visto que a série é uma obra de cenas, instantes e núcleos, que na maioria das vezes está pela perspectiva dessas duas personagens de 14 anos de idade chamados Fraser Wilson (Jack Dylan Grazer) e Caitlin Harper (Jordan Kristine) e que o destaque máximo é a atriz brasileira Alice Braga, que vive a mãe de Fraser junto com sua esposa Chloë Sevigny.
Entre o estar tímido e introvertido, ousado e confiante, espirituoso e sexualmente desinibido, e possessivo de seus personagens, o diretor Luca Guadagnino completa análises sobre a série: “Estou profundamente emocionado e honrado pelo Quinzaine ter escolhido mostrar meu último trabalho We Are Who We Are na íntegra, com a perspectiva de exibi-lo em Cannes em uma exibição de 8 horas. Mesmo que a pandemia global tenha tornado isso impossível, no entanto, esta seleção pelo Quinzaine é para mim uma grande conquista e uma forma inefável de fortalecer nossa história de juventude, identidade, excentricidade, visões.”