Velozes e Furiosos: Hobbs & Shaw
O vampirismo da indústria
Por Vitor Velloso
A franquia “Velozes e Furiosos” se esgotou à tempos, não apenas a partir do distanciamento da proposta inicial da série, mas com o passar dos anos, vimos a qualidade dos filmes cair vertiginosamente para assumir um estatuto de novos brutamontes, uma espécie de reciclagem clássica, e caiu em todos os clichês possíveis, com reviravoltas tolas e um profundo desconhecimento de territórios que buscou apresentar (me refiro especificamente a “Velozes e Furiosos 5: Operação Rio”, de Justin Lin). Assim, a partir do sétimo longa, James Wan buscou abraçar o absurdo e concatenar toda a breguice inerente ao material, que a sequência relutou em manter, em uma postura quase paródia de tudo aquilo que se havia conquistado anteriormente.
Agora, mais um título é apresentado: “Velozes e Furiosos: Hobbs & Shaw”, como um tipo de spin off que chega às telonas com a intenção clara de revigorar a verve da franquia e, quem sabe, dar novos rumos a mesma.
Dirigido por David Leitch (“Deadpool 2” e “Atômica”), o filme irá abordar única e exclusivamente os personagens do título, Hobbs (Dwayne Johnson, “The Rock”) e Shaw (Jason Statham), para que assim o bromance de socos e pontapés, somados ao excesso de músculo em tela possa atender aos fãs do gênero. Contudo a ideia, à la James Bond, de desviar a própria essência dos dezoito anos construídos, parece mais uma forçação de barra que uma originalidade necessária à trama.
Agora temos uma ficção científica, sem medo de se assumir como tal, humanos modificados, organizações superpoderosas que controlam todos os núcleos de poder do mundo, tecnologias avançadas etc. Inicialmente não há uma problemática na abordagem, já que realidade nunca foi a base de “Velozes e Furiosos”, porém, a introdução de todos estes temas é dada de maneira tão abrupta e vulgar, que nos faz questionar as escolhas do roteiro, pois não compreende-se, além da superfície, a verdadeira intenção da tal corporação, muito menos às irrisórias forças de defesa e ataque que a mesma possui.
Desta maneira, duas apostas aqui são incluídas para assegurar o resultado, Idris Elba, interpretando Briston, o supersoldado, e a direção dinâmica de David Leitch. Nenhum dos dois funciona. Apesar do carisma de Idris, seu personagem é tão blasé e desprovido de motivações, que sua ameaça torna-se menos interessante com a progressão da trama, além do mais sua eficiência está longe de ser algo chamativo. Já David Leitch abandona seu estilo mais dinâmico na ação.
Em “Velozes e Furiosos: Hobbs & Shaw” não há longos planos sequências de combate e uma câmera que se diverte com o espaço e brinca com a misancene, apenas o velho formato de múltiplos cortes e uma ação que prioriza impacto à diversão. Não à toa, é necessário um compilado de piadas repetidas com o tamanho de Hobbs, quase nenhuma engraçada.
A questão de Leitch em seus outros longas, era de manter a ambiência com uma solidez pragmática, mas utilizar a movimentação dos objetos de maneira que fosse pragmático dramaticamente e esteticamente, porém aqui vemos um engessamento da forma e uma necessidade de tornar tudo tão burocrático do ponto de vista da reestruturação da franquia, que o diretor parece se render à fórmula e mal aparece em cena. Apenas em um plano ou outro podemos ver suas características, a maioria envolvendo Hattie Shaw (Vanessa Kirby), pela agilidade imposta pela personagem.
Em certo ponto, vemos a redução das batalhas à manipulações esdrúxulas de roteiro, apenas com o intuito de evitar tiroteios e promover pancadaria, o que à priori não é um problema, já que “John Wick” faz isso com bastante frequência, mas conseguindo utilizar a própria estrutura do gênero e do Chad Stahelski à favor da ação, porém em “Velozes e Furiosos: Hobbs & Shaw” a virilidade domina a forma e um produto genérico se constrói.
Os exageros que a franquia traz neste longa, são apenas para inflar as possibilidades de situações absurdas que os protagonistas, agora incluindo Hattie, podem superar se trabalharem em conjunto. A exposição fica tão absurda que frases de efeito com apelo emocional surgem com frequência no terceiro ato, criando uma dicotomia grave entre a proposta de tacar o F*d@$3 e o conceito de família perpetuado pelos filmes anteriores.
Ou seja, ele se apega demais para se deixar levar, mas perde o controle quando se permite, realizando um projeto medíocre por excelência. A única coisa que segura aqui, é o carisma de Dwayne Johnson e Jason Statham que compõe um casal de anabolizantes e artes marciais bastante disfuncional. A personagem de Vanessa é apenas um pequeno eixo da história que é utilizada para realizar um equilíbrio racional entre os dois. Se em outros projetos temos o alívio cômico, neste ela é o exato oposto.
Está longe de ser o fim da franquia, o que fica claro ao final da projeção deste, mas pode ser o começo de tropeços mais graves.