Valan – Vale dos Anjos
Emulador Internacional
Por Vitor Velloso
Dentro do programa formulaico de como realizar produções internacionalmente benquistas, no mercado, “Valan – Vale dos Anjos” é um dos exemplos pragmáticos da possibilidade de compreender a estrutura marcada, clichê, sem que possa soar uma réplica tacanha dos projetos anteriores. Ao assistir o filme húngaro de Béla Bagota, o espectador se vê acompanhando tudo aquilo que já conhece: um policial alcoólatra que se vê obrigado a enfrentar fantasmas do passado. O ritmo se dá a partir de obras como “Boneco de Neve”, “Suspeitos” etc, a concepção não é nada diferente. Porém, Béla é sagaz em suscitar a curiosidade do público, consegue ir entregando pontos de maneira isolada para que se compreenda no fim a totalidade. A própria forma é absolutamente programática, mas a partir de intrigas internas, com questões dramáticas que englobam razões menos óbvias, o filme passa a ganhar um corpo diferente de seus “irmãos”.
Seja porque passa a criar uma dimensão que diverge de um eixo centralizador, imediatamente iniciado por um flashback, ou mesmo porque sua mise-en-scène delimita espaços explícitos dentro da construção. Em diversas cenas o diretor decide criar setores no âmbito dramático do enquadramento, articulando com um artifício mais expositivo, assumindo o dispositivo criador daqueles espaços, mas criando uma aura de respeito e temor em torno da história de “Valan”, partindo de um paralelismo político para concretizar as verves dramáticas ali presentes. O que é, claramente, um tom mais aburguesado da construção, porém suficiente para enviesar a discussão, atravessar em um solavanco o pragmatismo dos roteiro.
“Valan – Vale dos Anjos” parece estar consciente de todas suas limitações, mas tenta usar os vácuos das mesmas, para explodir, criar pequenas recompensas dos anseios do espectador, trabalhando os acessos de ira do seu protagonista à favor do espectro moral da obra, pisoteando a ética. Aqui, é como as regras do velho oeste dadas pelo caolha reacionário, “um homem deve fazer o que um homem deve fazer”. A máxima é acompanhada de um frio estonteante, pessoas detestáveis e um senso de “justiça” absolutamente duvidoso que parece estar cambaleando entre o compreensível e o aceitável (para uns). E essa determinação direta com esse campo mais dúbio de uma sociabilidade facilmente iniciada em discussões de qualquer cunho, se torna um problema pelo papel que seus personagens representam.
Não que haja grande complexidade disso durante a exibição do filme, mas uma leitura mais apressada, ou direcionada, pode taxar o filme por algum cunho ideológico mais drástico. Mas é claro que não podemos ser enganados pela construção divertida e instigante da história, que elege pilares bastante concretos dentro de sua estrutura: a igreja, a caridade, o luto e o senso de justiça, se unem em um drama antitropical para consagrar os burgueses. Intactos em toda a narrativa, o Estado e igreja se digladiam de maneira aberta, enquanto a vítima possui as mesmas características, branca e loira.
Essas questões expostas acima, podem gerar uma leitura conturbada da obra, enxergar uma espécie de eugenismo tacanho, húngaro, onde os reverbs Históricos do país se confundem com a trama. Mas para evitarmos sustos demasiados com relações possivelmente errôneas de “Valan”, tomemos de exemplo apenas a maneira como o Estado atravessa todas as instituições ali presentes, inclusive a família. Esse senso de justiça e de verdade, junto com o clima, de algo anterior ao início da própria história do longa, pode vir a lembrar “Millenium – Os Homens que não Amavam as Mulheres” de David Fincher. A aproximação não fica apenas na imaginação, pois Béla busca emular o controle da atmosfera de Fincher, em diversas cenas, onde busca o tom solene de um grotesco crescente.
“Valan – Vale dos Anjos” está longe de ser um projeto original e não faz questão de sê-lo, mas consegue prender a atenção do espectador em pequenos golpes narrativos que acentuam a atenção aos detalhes que são dados de maneira parcial durante a progressão da história. Nada é uma grande surpresa, as coisas se desenrolam em torno de um programa bastante dado pelo mercado internacional. Não à toa o projeto atinge o mercado brasileiro, pois consegue utilizar das fórmulas dos projetos de sucesso, para alcançar alguma amplitude no cenário internacional. É eficiente mas parece apenas emular estilos diversos, contudo agrada brasileiros e húngaros em sua ideia totalizante.