O Sabiá de 2019
Por Vitor Velloso
Continuando com os padrões de produções advindas da Televisão, “Vai Que Cola 2 – O Começo” segue à risca a fórmula que o cinema nacional encontrou para criar suas comédias chanchadescas ao grande público, com a diferença de transformar aquilo que antes era narrado quase como stand up de improviso, no primeiro filme, em uma estrutura narrativa de origem da “pensão mais famosa do Brasil” utilizando os recursos do programa do TVZ.
Dirigido por César Rodrigues (“Minha mãe é uma peça 2”), o novo longa do programa televisivo chega aos cinemas para cumprir a lacuna financeira entre um lançamento e outro, utilizando a desculpa de estar empenhado em contar como os personagens se conheceram, obviamente todos os estereótipos marcados permanecem, porém busca-se raízes mais concretas dessa milionária “franquia”.
Fica claro que a intenção é apenas modificar brevemente seus personagens a fim de criar uma “aventura” rocambolesca, sem sofrer com a descaracterização dos mesmos, logo, não há grandes novidades que possam ser mencionadas, muito menos formalmente, pois o padrão dessas adaptações para o cinema são de uma padronagem bem definida.
Se retirarmos o carisma dos atores e o passado dos protagonistas na série de TV, não há nada que vá interessar o espectador. Como imaginado, é um produto que se direciona aos fãs do programa, que pode acabar atingindo um desavisado ou outro que costuma gostar das comédias da Globo. Se retirarmos tais especificações, será um exercício doloroso ir até o fim da projeção, pois o estilo de humor é o velho feijão com arroz que vai usar trocadilhos infantis, piadas sexuais com elementos canhestros, a utilização de arquétipos da maneira mais deplorável, um exagero acentuado de pessoas se machucando por idiotice etc. Aquele padrão que todo brasileiro conhece. Não à toa os atores não saem da zona de conforto durante o projeto, pois há uma longa bagagem de programas que possuem o mesmo formato, para retirar as referências na atuação.
As sonoplastias caricatas são utilizadas com frequência, acreditando que a acentuação do humor pode ser por uma questão de rima sonora. De fato pode, porém a aceitação da imbecilidade das cenas como forma de provocar riso, causa mais vergonha alheia que graça. Infelizmente parte dos espectadores vão achar graça pois seu modelo de humor e TV, está estagnado há quarenta anos. Se excluirmos as mudanças temáticas dessas décadas, quase nada mudou.
E se pensarmos que o programa fez sucesso pela sua pragmaticidade de palco-móvel, que gera um ínterim para uma interação ativa com o público, o mesmo não se pode falar do cinema, já que a experiência fica com tempos mortos tenebrosos e o dinamismo se perde completamente, tais momentos são substituídos por piadas jogadas a esmo, seja por imagens ou texto.
Parte das intervenções que ocorrem na TV estão presentes como sátiras intertextuais, de maneira cadenciada, já que Paulo Gustavo não é o host da chanchada, como no primeiro longa. O que não muda tanto a dinâmica em questão rítmica, pois a apresentação já havia sido feita, agora é só utilizar o gancho e ganhar dinheiro, única preocupação do filme. Não à toa, apesar do caos e da bagunça narrativa, e misancênica (assim como Glauber Rocha falava), de “Vai que cola 2 – O começo”, o clima amistoso da “família” é mantido em tom de nostalgia.
A postura é quase uma aceitação da decadência iminente do programa, pois a queda do show é uma realidade não tão distante. Vivemos em uma era de uma velocidade monstruosa, não há o que sobreviva ao tempo contemporâneo. Além disso, a falta de mudanças na TV vai levar a criação de outro produtos mais atraentes, para os mesmos espectadores.
“Vai Que Cola 2 – O Começo”, que pelo comunicado oficial da assessoria de imprensa, informava que as filmagens iniciaram no final de março e se encerraram no início de maio, não é a desgraça do ano, já que sua alienação política não pode ser considerada tóxica em meio ao núcleo reacionário e suas teorias da conspiração tiradas de livros fundamentalistas, mas sem dúvida não acrescenta nada à cultura nacional, muito menos levanta algum debate daquelas representatividades que são expostas na tela, quando não objetificadas como parcela cômica de uma brasilidade suburbana.
Em um ano que o Brasil arregaça as mangas e decide assumir o protagonismo cinematográfico (Bárbara Paz, Karim Ainouz, Kleber Mendonça, Dorneles e Wagner Moura), com um discurso que perpetue a soberania da cultura brasileira, “Vai que Cola” vem firmar a posição do arquétipo tão concretizado por aqueles que geram as silhuetas seguidas pelos atores.