Uýra – A Retomada da Floresta
A importância do recorte
Por Vitor Velloso
Dirigido por Juliana Curi, “Uýra – A Retomada da Floresta” é um documentário que possui temáticas de grande relevância para discutirmos o Brasil, em seus diferentes aspectos e contextos, como uma multiplicidade de questões que foram abafadas nos últimos anos por uma estrutura que destruiu nossa história, estrangulou nossas paisagens e identidades. Está claro que não há apenas um culpado (a), nem mesmo um governo, mas uma série de fatores materiais, fomentados por políticas importadas. Contudo, se essa série de temáticas consegue chamar atenção do espectador para as problemáticas de nosso país, o filme não consegue se concentrar em nenhuma e parece não encontrar seu recorte, sua discussão e consequentemente, seu projeto.
Se nas primeiras imagens do longa, o público reconhece a destruição de nosso maior bem, em um plano de imagem violenta, seguido de uma performance onde ancestralidade e corpo aparecem aliados, “Uýra – A Retomada da Floresta” se perde em tantas questões que passa a apresentar, que é possível terminar o filme sem a possibilidade de definir qual a particularidade da obra. Torna-se um remendo de ideias, muitas vezes desconexas, onde a estrutura se resume na apresentação de um tópico e sua resolução em pequenas reflexões realizadas pelo protagonista Emerson Munduruku, “pessoa trans não binária”, como se apresenta nos primeiros minutos de projeção. Por mais que o longa-metragem centralize seus esforços na figura de Emerson, como uma espécie de porta-voz do discurso que a obra procura transmitir, não existe uma conexão concreta entre muitas dessas temáticas, ou pelo menos a estrutura da montagem não cria essas conexões. Em muitas situações, o que a artista fala possui uma força maior do que a apresentação construída pela montagem, confusa e perdida no próprio objeto, ou tentando encontrar ele em um retalho de temáticas. E este problema não é particular do filme dirigido por Juliana Curi, mas um sintoma comum de muitos projetos que são motivados por debates ou temas que, quando somados, não possuem uma estrutura concreta de discussão.
Desta forma, a sensação que temos é que existem determinados lugares comuns na cinematografia e no debate cultural, que acabam pautando a forma destes filmes, desde a utilização de palavras-chave que estão em voga até insert textuais que não acrescentam na construção, servindo quase como uma desculpa artística para frases/termos impactantes ao longo da projeção. Não por acaso, há uma banalização desses termos, como: atravessamento, entrelaçar, trançar, resistir etc, pois tornaram-se royalties utilizados dentro de contextos onde a discussão se torna presente. “Uýra – A Retomada da Floresta” parece mergulhar em algo menos fixo, para contemplar essas possibilidades formais e termina sem um recorte determinado, indo em uma direção que não se concretiza e debatendo áreas tão amplas que não se delimita nada. Um exemplo disso, é um momento onde algumas imagens de arquivo exibem a destruição da Amazônia, com uma série de fotos, e no meio dessa exibição há uma fotografia de Serra Pelada. Sem uma situação particular para trabalhar, o documentário fica a esmo, apresentando uma quantidade ímpar de questões importantes de serem debatidas, mas que não são mais que exposições superficiais de uma realidade concreta e complexa.
Assim, o filme mergulha em uma exposição funcionalista de argumentos frágeis que são retirados como respostas práticas para essas problemáticas, onde ligações, feitas pela montagem, estão soltas ao vento e tiram parte do peso de determinadas reflexões da artista.
É uma pena que Uýra – A Retomada da Floresta” seja um projeto tão perdido em seu objeto que não consegue recortar algo para engatar um debate, pois o material possui uma riqueza ímpar, que poderia ser aproveitada para compreender as raízes das questões ali apresentadas, não apenas expor sem nenhum tipo de direcionamento. Até mesmo as performances artísticas que o público assiste, estão descontextualizadas de suas inspirações, já que a montagem parece compreender os blocos como grandes fragmentos que podem ser interligados pelo que compreendemos ser uma paisagem política, mas que nunca se completa socialmente. Desta forma, é frustrante assistir um projeto que promove tanto suas inquietações, sem nem mesmo entender sua origem material, mantendo-se apenas no campo moral.