Curta Paranagua 2024

Uncut Gems

Invocando Scorsese

Por Fabricio Duque

Netflix

Uncut Gems

Todo e qualquer crítico de cinema, em exercício de sua função, que é analisar um filme em sua plenitude existencial, tem como dever a imparcialidade inicial, logicamente dentro da subjetividade idiossincrática de cada um. Nós não devemos criar pré-conceitos como se fossemos a personagem de Tom Cruise em “Minority Report – A Nova Lei”. Não, nosso caminho precisa ser o da aceitação incondicional, sem colocar nenhuma “perna para trás”. Esse preâmbulo pode servir aos pré-julgadores de plantão que desacreditam na qualidade de “Uncut Gems” por ter como protagonista Howard Ratner, o ator Adam Sandler, conhecido por suas comédias-pastelão populares. Sim, não devemos nunca julgar um livro pela capa.

Dirigido por Josh Sadfie e Ben Sadfie, também roteiristas com ajuda de Ronald Bronstein), o longa-metragem, em questão aqui, nova produção original da Netflix, que por si só já cria outra polêmica sobre se televisão pode ser cinema, busca a desconstrução para conduzir o espectador por um orgânico e primitivo submundo de lojas de joias em uma Nova York nada turística. É também corroborado uma característica marcante nas obras do irmãos (de “Bom Comportamento”, que participou da mostra competitiva principal do Festival de Cannes 2017 e que tinha como personagem principal o ator crepuscular Robert Pattinson): mergulhar em uma narrativa ágil que se encontra um tom acima do limite da ação.

Em “Uncut Gems”, cuja tradução abrasileirada é “Joias Brutas”, o público percebe uma “homenagem” tão explícita a Martin Scorsese (que por sua vez é um dos produtores), que em certos momentos fica bem difícil diferenciar o “joio do trigo”, soando assim mais como uma experiência cinéfila apaixonada a “A Cor do Dinheiro”, “Cassino” e “Os Bons Companheiros” (e agora “O Irlandês“) que um produto de unicidade autoral, ainda que elementos arthouse sejam adicionados, como a trilha-sonora oitentista à moda de John Carpenter, a fim de recriar uma nostalgia de atmosfera atemporal. É para ser moderno, visto que a trama acontece em 2012, mas com sinestesia imersiva, a ponto de nos desconcentrar da própria história pelo atordoamento da câmera ultra-rápida que envolve sua mise-en-scène e desnorteia completamente quem assiste (em especial por atravessar microorganismos e entranhas de corpos humanos – esta inclusão que remete a Gaspar Noé). Será esse um artifício para mascarar a interpretação de Adam Sandler, criando assim uma falsa perspectiva de qualidade por unificar todos seus papéis anteriores em um só?

A retórica pode ser válida somente se não embarcamos no ritmo intenso da ação, desenvolvida em nível máximo. Sim, nós entendemos o intuito. Somos convidados a participar da vida caos de Howard, que representa o quão complicado e pressionado é sobreviver na América. Ele, um judeu e um “indivíduo litigioso”, poderia ser considerado um típico brasileiro, por seus jeitinhos e lutas diárias a fim de enriquecer e não depender de outros para entrar em clubes exclusivos. Complica tudo apostando para ganhar mais. E inevitavelmente, mete-se em apuros. Tenta tudo e nunca acerta. Um “fuck up around”. É a verdadeira razão-mote “Eldorado copacético” dos estadunidenses. Que importa joias brutas, raras e mágicas (a “opala negra” “velha da terra média” que o “faz gozar” – “110 milhões de anos dentro”, nessa parte fragmentos-flash do passado pipocam na tela, gerando a sensação de maestria visual) de uma mina na Etiópia, e dessa forma retroalimenta o “querer capitalista” do ter para mostrar que se tem. Uma máquina estimulada pelo estímulo que reverbera.

“Uncut Gems”, que figura nas principais indicações das premiações americanas deste ano, por exemplo, no Critics’ Choice Awards, o prêmio dos críticos, como já foi dito, invoca Scorsese na essência: a violência necessária e justificada como defesa e marcação de território, acreditando que quanto mais gritam, mais conseguem o que quer. Mas aqui a naturalidade (enaltecida pela fotografia escurecida, sempre na penumbra) do ser ganha contornos teatrais ao forçar reações explosivas de um “mundo cão”, hostil e sem leis. Talvez seja pela liberdade improvisada de deixar Adam Sandler ser Adam Sandler, como por exemplo na cena das joias “Gremlin” (inevitável não rir!) e/ou com ranços geográficos contra o Canadá. E/ou a loja, cujo público constitui-se de negros, em especial um famoso jogador de basquete, esbanjadores e excêntricos. É tudo uma grande brincadeira objetivando seriedade contextual. Até quando há a referência a “Good Times”, título original do filme anterior dos diretores, que aqui é embalado com “Rain”, da Madonna, e ”L’Amour Toujours’’, de Gigi D’Agostino.

3 Nota do Crítico 5 1

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