Mostra Um Curta Por Dia - Repescagem 2025 - Julho

Uma Bela Vida

Medo e reforço

Por Vitor Velloso

Festival do Rio 2024

Uma Bela Vida

É estranho notar como o diretor de “Z” (1969) e “Estado de Sítio” (1972) assina a direção de um projeto tão pasteurizado e comum quanto “Uma Bela Vida”. Aquele Costa-Gavras, político e direto, já não aparece há um tempo, mas aqui a coisa se torna ainda mais explícita, revelando como o diretor vem pensando na finitude da vida e na morte como um processo mais próximo, mais presente, mas com um caráter estranhamente idealista.

O idealismo aqui se mistura com uma tentativa de desconstruir, ainda que brevemente, uma perspectiva ideológica da morte. A curiosidade mórbida do protagonista passa pelo medo e por uma suposta ligação com seu trabalho/obra — esta última nunca plenamente desenvolvida, permanecendo mais em um campo latente de uma base concreta do personagem. Dessa forma, Fabrice Toussaint (Denis Podalydès) se torna mais uma espécie de catalisador de possíveis angústias do diretor do que necessariamente um personagem fascinante. O que há de mais interessante em “Uma Bela Vida” é Augustin Masset (Kad Merad) e suas explicações sobre as diferentes formas de lidar com pacientes que estão próximos da morte, as implicações, as questões éticas e a necessidade de uma sensibilidade especial para cada caso particular. Contudo, essa proposta didática não sustenta o projeto, que se torna repetitivo, cansativo e com um propósito que vai se distanciando cada vez mais de seu eixo dramático.

E é desse processo cíclico que surge o idealismo da obra: uma tentativa de redimir as reflexões sobre a morte sob a égide de uma centralidade humana, inata, sem ter como perspectiva uma base cultural e uma construção social. Em determinado momento do filme, há um flerte com a exposição de outras formas de enxergar a morte e o pós-vida, quando há uma menção ao budismo e a outras filosofias, bases religiosas ou cultos coletivos como uma forma de amenizar a apreensão sobre “o lado de lá” ou o depois do plano terreno. Ainda assim, este Costa-Gavras prende-se excessivamente à moralidade cristã e ao mito solar, quase como um mea culpa, uma característica de penitência tão idealista quanto cínica, levada à estrutura quase episódica de paciente a paciente. Não por acaso, a direção de fotografia, assinada por Nathalie Durand (que trabalhou no bom “Custódia”, exibido no Festival Varilux de Cinema Francês 2018), apresenta essa característica “lavada”, sem inspiração e quase mecânica, típica do cinema francês contemporâneo. Pois, da mesma forma que há uma fragilidade na estruturação de um drama consciente de seus limites e perspectivas, há um projeto de construção imagética tão frágil quanto, incapaz de soltar as amarras comerciais mais básicas e previsíveis. O realizador Costa-Gavras parece mesmo engessado por um certo modelo, fadado à repetição e à necessidade mimética de replicar incessantemente essas dúvidas e questionamentos.

“Uma Bela Vida”, lançado pelo Filmes do Estação, segue quase uma estrutura tão clássica quanto “A Felicidade Não se Compra” (1946), porém com os comandos de um efeito paliativo, pois os minutos iniciais não estão apenas procurando explicitar o medo de Fabrice, mas se esforçam para entregar, de forma imediata, a obviedade de seu desfecho. Augustin Masset surge quase como um espírito enviado para preparar o terreno para a inevitabilidade, o destino, situado aqui entre a tragédia e a difícil tarefa de levar a notícia aos “condenados”. E é justamente nessa dualidade, tão simples e pouco complexificada, até mesmo para os padrões de uma moral solar, que o filme se desenvolve do início ao fim, sem criar nenhum tipo de multiplicidade no olhar de seus personagens ou no jogo vida e morte.

Assim, “Uma Bela Vida” mira numa espécie de crítica à ideologia, assumindo como verve a própria manutenção filosófica dominante. É uma tentativa de redenção particular, uma autodescoberta pequeno-burguesa, explicitada no caráter intelectual do protagonista e no ofício de construção narrativa exterior à representação da obra em si. Não por acaso, os olhares de Fabrice, seus “sintomas”, vão se tornando cada vez mais didáticos, quase gritando para o espectador que ele não perca esses pequenos sinais — como se a obviedade do longa já não fosse suficiente para o público compreender cada nova esquina dobrada. Esse didatismo não só prejudica o filme, como cria algumas situações constrangedoras, justamente por tentar reforçar aquilo que já está oferecido desde os primeiros minutos de projeção.

2 Nota do Crítico 5 1

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