Um Príncipe em Nova York 2
Um desastre anunciado
Por Vitor Velloso
Amazon Prime Video
Existem projetos que estão fadados ao desastre e existem aqueles que poderiam ser salvos com o mínimo de caráter na atualização para questões contemporâneas. “Um Príncipe em Nova York 2” de Craig Brewer faz as piores escolhas dos dois mundos e crava a obra como um deslize monumental na já problemática carreira Eddie Murphy.
Depois de alguns elogios merecidos em “Meu nome é Dolemite”, o ator e o diretor decidiram assumir a decadência juntos. O projeto que visa a construção de uma África de grandes animais e vastas florestas, em assimilação ao capital norte-americano, caminha entre os piores estereótipos possíveis e o centrismo clássico que é a síntese entre o preconceito e a compreensão do “progresso”. O barato aqui é tão tóxico que vai creditar o velho título imperialista “EUA, a terra das oportunidades” em uma máxima democrática liberal para tornar seus personagens em “empreendedores”.
Mal posicionado e mal intencionado, o longa passa a dialogar com os piores setores do conservadorismo estadunidense para conceber essa seção de modos de vida, onde a cultura é apenas uma característica particular de um local, não aquilo que o define. Até o clichê imperialista que une violência e crianças ressurge com força aqui. “Um Príncipe em Nova York 2” acha graça de relacionar Ak47 com a brincadeira diária, retrata a miséria como uma imensidão de mortes, terrores e favelas gigantescas. É o deleite do reacionarismo em tratar de África e a superioridade norte-americana diante de um “atraso político e econômico” tão desastroso. A cultura passa a ser assimilada e os protagonistas são descaracterizados para a aproximação mais drástica com os modelos perpetuados pela mídia há décadas.
É uma pena ver um desastre assombroso desse ser distribuído massivamente. Não surpreende porém. A indústria estadunidense apenas demonstra, novamente, sua peçonha e a Amazon mostra o trabalho como poucos serviços de streaming. Não à toa, Craig se especializou em vender um estilo de vida a partir do cinema e em seu novo projeto atinge o cúmulo do sonho imperialista a partir da idealização da vida norte-americana. Eddie Murphy assume o título de embaixador do neoliberalismo para consumar os nacionalismos empresariais. A própria linguagem assume as características industriais que são repassadas como réplicas entre os estereótipos e clichês que construíram essa colcha de retalhos imperialista. A câmera encontra seus protagonistas e encerram seus eixos em representações diretas, que findam na velha concatenação de ideias cômicas para criar o arco de uma cena.
“Um Príncipe em Nova York 2” é a encarnação da decadência saudosista em um projeto que não consegue encontrar nenhuma força para se manter de pé até o último minuto. Vai minando todos os campos e se fragilizando ao ponto da própria estrutura ter de apelar às representações do filme anterior. Diferentemente de outros longas como “Trainspotting”, que encontra no saudosismo uma base dramática funcional para conseguir reformular a própria forma cinematográfica. O novo filme da Amazon apenas reproduz os arquétipos, mas busca uma cadência, problemas, resoluções, dramas distintos. Está claro que os pilares de outrora, não irão funcionar de maneira indistinta. Essa insistência apenas demonstra que a decadência industrial está entranhada e que enquanto as cifras ditarem o processo criativo, o negócio não vai funcionar.
Entre elogios desmedidos à Landis, Murphy e Hall, o filme original carregou consigo um espectro entre alguns críticos, o da inocência. Tem de ser muito inclinado(a) às falácias imperialistas para proferir um negócio desse, mas sem dúvida a equação da “exposição” (mais tacanha e óbvia que se imagina) da situação cultural norte-americana, é invertida aqui. Agora, o conservadorismo não caminha para cutucar feridas desse neoliberalismo, mas sim reflete o processo de assimilação para transformar “Um Príncipe em Nova York 2” em uma propaganda da Pepsi e do McDonald sem a rotulação padronizada. A preguiça toma conta aqui, nada funciona, tudo está no automático. É uma péssima continuidade para todos os envolvidos em “Meu Nome é Dolemite”, em especial para Snipes, que faz o tipo mais tacanho e patético dos clichês. Hollywood segue a todo vapor.