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Um Lugar ao Sol

Os demônios caem do céu

Por Vitor Velloso

Um Lugar ao Sol

As primeiras falas em “Um lugar ao Sol” desafiam o espectador a manter a sanidade mental. Os higienistas, meritocráticos, da alta burguesia expõe o pensamento acerca dos privilégios de possuir uma cobertura. Para além do óbvio, o patético se põe com facilidade exemplar, já que vemos a alta burguesia caracterizar sua gangrena cultural através do materialismo fálico presente na construção, além da unanimidade em se auto segregar da sociedade, se destacar “acima” de todos.

Gabriel Mascaro realiza o documentário sempre apontando a câmera para o rosto das pessoas, por vezes nos mostrando parte de sua residência. Expondo toda a decadência moral que é permitida em um ambiente que reconhece na palavra privilégio, um dom. Todos possuem o ego de acreditar serem merecedores daquilo, além da auto-bajulação do silêncio ensurdecedor de não escutar a “pobreza” do Brasil.

“Batida de panela me deixa agoniada”. Diz a mulher que assume “não ter nada contra seus empregados”, mas separa a área de serviço de sua residência, pois não quer ouvir os sons deles. A mesma que faz questão de falar que possui um veleiro, porque sim. O cérebro já não funciona a partir de uma fala estruturada, apenas projeta toda a fragilidade em material, dinheiro e masturbação de ego.

A senhora que diz ter o privilégio de possuir uma cobertura, entra em concordância com seu filho, “a natureza está disposta para todos”, “mamãe fez por acontecer”.

A carioca que admite adorar ver os traçantes disparados do morro, pois parecem fogos de artifício. Ela acha “lindo”.

O empresário que assume ser superior, um líder. E que diz: “Vc tem a primeira classe e depois vc tem a senzala lá no fundo”. Se referindo à estrutura de segregação social de um avião.

É curioso ver a podridão exposta. Difícil não ter reação direta com tamanha ofensa. Gabriel Mascaro, lúcido, sabe que não precisa falar nada para que a imagem dos degenerados sociais seja destruída por eles mesmos. A denúncia aqui fica por parte das próprias falas dos usurpadores de sonhos, colonizados, que não sabe falar “guaxinim”, que não sabe defender uma ideia de superiorização (pelo contrário), que argumenta em prol de uma política de higienização assombrosa, que tem como máxima preocupação a velocidade que pode receber uma visita, ou dividir a festa em dois ambientes. São essas pessoas, que não sabem o que está no “mundo de baixo”, que transformaram a tão falada paisagem que se vê “daqui de cima”, em lixo nacional. Ergueram o lema positivista para que se haja consonância do “seu lugar no mundo”.

“Um lugar ao Sol” é construído de maneira simples, formalmente, pois não tem grandes pretensões de discussão com o próprio material, mas sim uma necessidade de exposição do mesmo, a ponto que se torna dialético por sua natureza em si. Assim, as intervenções de Mascaro são mínimas, normalmente para acentuar um gatilho político abordado em algum momento por um dos entrevistados. Além disso, o diretor tem pulso firme para exibir parte da problemática que envolve estar filmando esses seres que dividem conosco o oxigênio. Como a senhora que se levanta e vai embora no meio da conversa, pois reconhece que a conversa, em tese, não está levando à bajulação que tanto deseja.

Quando se presume que “Um lugar ao Sol” não está falando de “pobreza, miséria, fome e desgraça”, como se refere um dos entrevistados (referindo-se a indústria de documentários), o longa traça um caminho inverso de diálogo quase imediato. Ele filma o topo, para mostrar à base como a ignorância, a estupidez, são pontos tóxicos de uma sociedade que não se reconhece em uma cidade, ou cultura, mas sim, na sua própria ilha, pois assim se mantém alheia ao “povo”, sem ter que dividir espaço com o mesmo.

Absurdo. Ultrajante. Degradante. Deprimente. São parte dos adjetivos que podem ser utilizados para categorizar cada uma daquelas “pessoas”. O excesso de aspas no texto são para reconhecer falas deles, ou ironizar a verdadeira natureza da palavra. Problema de rico é andar de Mercedes, não escutar panela, comer bem, ter uma festa com dois DJs, poder fazer o barulho que quiser. No Brasil, a morte anda de ônibus, escuta o ronco na barriga do trabalhador, bate palma pro luto da mãe que perdeu o filho pra bala perdida. Se alguma dessas coisas são conhecidas pelos que são filmados aqui, a notícia foi passado pelos seus Iphones, no grupo dos acionistas da “Higienização Health Care, cuidando de você e só você”.

3 Nota do Crítico 5 1

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