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Turma da Mônica Jovem: Reflexos do Medo

História repaginada para a simples diversão

Por Fabricio Duque

Turma da Mônica Jovem: Reflexos do Medo

Quando a primeira história da Turma da Mônica nasceu em 1959 ainda como tira do jornal Folha da Manhã, o mundo era outro e representava uma época ainda não imbuída no bullying social. Maurício de Souza, seu criador, desenvolvia suas personagens pelo humor idiossincrático, nonsense e de representação físico-comportamental. Mônica era “gordinha” e “dentuça”, com seu coelhinho de pelúcia, Sansão, e constantemente tinha acessos de raiva. Cebolinha falava errado, ou melhor, “elado”. Chico Bento não gostava de tomar banho e era “mal cheiroso”. Magali tinha gula, comia o tempo tempo e sugestionava uma bulimia. Todos os “adjetivos” eram recebidos como comédia, como um “sarro” e uma zoação típica das crianças. Em 2008, Maurício de Souza lançou uma modernização com “Turma da Mônica Jovem”. Cebolinha ganhou o apelido de Cebola e consertou sua fala após se tratar com um fonoaudiólogo. Chico Bento passou a ser Cascão e agora mantém razoável sua higiene e pratica esportes radicais, como o Parkour. Mônica, antes “feinha” e desengonçada, tornou-se bonita e não esconde mais seu amor por Cebolácio Júnior Menezes da Silva, o Cebola. Magali ainda gosta de comer, mas controlou sua “gulodice” da infância, e desenvolveu seus poderes de bruxa. Pois é, tudo mudou com a popularização nos anos noventa do politicamente incorreto. De “cortar o mal pela raiz”. De internalizar a toxicidade das ofensas dirigidas àqueles que apresentam imagens corporais facilmente identificáveis. Sim, o mundo mudou. E começou a se importar muito mais com a imagem do outro. E também com seus desconfortos sociais. 

Dessa forma, antes de traçar linhas analíticas sobre o novo segmento do universo em quadrinhos da Turma da Mônica, agora na fase jovem, que chega aos cinemas e que corrobora essas transformações nos comportamentos anteriores de suas personagens, é preciso estar aberto à conexão com o público infanto-juvenil do agora, visto que cada geração apresenta características específicas na nova forma de se comportar. Ainda que os temas sejam universalmente já padronizados, esse novo jeito, acaba sendo muito influenciado pelo meio em que vive e pela massificação midiática de internalizar tendências. Assim, é muito importante que se tenha um cinema de representação destinado para este público, que converse de igual para igual, falando a mesma língua desses jovens. Ao trazer às telas os quadrinhos e a série de animação homônima em filme, “Turma da Mônica Jovem: Reflexos do Medo” apresenta-se como um estudo antropológico desta nova geração, que consume conteúdos audiovisuais de forma bem mais diferente das pessoas do século passado. E eu ter assistido ao filme não na sessão para imprensa e sim numa pré-estreia com o público fã fez toda a diferença para compreender que esses jovens não vão ali pela obra em si (tampouco pela trama), mas sim para ver seus ídolos (e gritar histericamente por eles), como a atriz Sophia Valverde (da série “As Aventuras de Poliana”). Sim, é universal.  Aconteceu com os Beatles, Taylor Swift. A adoração não vê imperfeições. 

Dirigido por Mauricio Eça (de “Carrossel” e dos três longas  sobre o caso Suzane Von Richthofen), “Turma da Mônica Jovem: Reflexos do Medo”, que levou sete anos para ser concluído, busca desenvolver sua narrativa pela edição rápida e estética ao formato de mídias sociais, Tik Tok, por exemplo, ainda que sua condução foque no período mais atemporal; pelo roteiro mais pautado no gênero de novela, com seus núcleos; e pela estrutura algorítmica de populares séries de streaming, “Stranger Things”, por exemplo. Além também de referenciar a programas mais orgânicos de nossa teledramaturgia, como “O Sítio do Pica-pau Amarelo”, “Castelo Rá-Ti-Bum” e “DPA – Detetives do Prédio Azul”. Essas são apenas algumas inferências usadas neste longa-metragem. Tá, após toda essa coleta, como podemos definir “Turma da Mônica Jovem: Reflexos do Medo”?

Infelizmente, “Turma da Mônica Jovem: Reflexos do Medo” parece ter sido feito no medo pelo reflexos dessas mudanças, seguindo padrões aceitáveis de comportamentos e se policiando o tempo todo para não criar ofensas e ou cancelamentos. Isso tudo fez com que o filme fosse nivelado pela superficialidade das ideias, e, ao facilitar os caminhos e as reviravoltas no roteiro, com seus didatismos articulados, tanto das interpretações de seus atores (com algumas expressões-gírias, como “Fazer a egípcia” – termo LGBTQIAPN+), quanto das reações afoitas de suas personagens. E com seu humor objetivado no escracho, no exagero, na caricatura, nas piadas à moda do “tio do pavê”. É como se não houvesse lapidação. Há uma atmosfera caseira, cru e de buscar nos espectadores a conivência e o acolhimento dessas imperfeições. 

Talvez “Turma da Mônica Jovem: Reflexos do Medo” seja impulsivo demais em querer abordar todos os temas e todas as inclusões sociais, esquecendo-se de enaltecer os próprios simbolismos existenciais subtendidos (espelhos, reflexos, despertar outra personalidade num inversão paralela e até mesmo desenvolver melhor a amizade – quase vontade de namorar – de Chicão e Cebola). E todos os medos reflexivos dessas “pessoas pequenas” (envoltos na vulnerabilidade e incompreensão do mundo), ainda em construção de caracter. E é por isso, que nós não podemos deixar batido uma obra que “rebaixa” a inteligência pelo único argumento da diversão. Ao sinalizar que este é um filme produto-fetiche, pautado apenas na irracionalidade dos achismos jovens (e lançado com mais de 800 cópias – “novo live-action do universo de Mauricio de Sousa”), nosso cinema perde qualidade e possibilidade de invenção. Recentemente, aconteceu uma discussão no X (ex-Twitter) sobre as tirinhas-quadrinhos da cartunista Laerte. Os meme gerados de integrantes da geração Z diziam que eles não entenderam nada (e humildemente concordando com suas limitações de entendimento – cadê a aula de interpretação de texto nas escolas?). Isso causou uma comoção social, levantando a questão que estes “seres” não entendem metáforas, entrelinhas e perspicácias. São robôs literais no mundo digital em choque de gerações. E somado aos inúmeros estudos de que nossos cérebros se adequam ao meio e limitam expansões, esse tipo de filme precisa ter muito cuidado ao se construir. Até porque pelas cenas pós-créditos (no meio dos créditos), haverá sequência para esta história. Será um novo reflexo do medo?

1 Nota do Crítico 5 1

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