Tudo Sobre o Festival de Berlim 2024 e os Filmes Brasileiros

Tudo Sobre o Festival de Berlim 2024 e os Filmes Brasileiros

O mais tradicional evento alemão da sétima arte acontece de 15 a 25 de fevereiro e traz como sempre uma seleção muito autoral e bastante diversificada

Por Fabricio Duque

Uma cobertura de um festival de cinema começa muito tempo antes de suas datas oficiais. São meses recebendo informações por e-mail de prévias do que irá acontecer até o aviso de credenciamento de imprensa. Neste momento, inicia-se a busca por passagens aéreas e hospedagem. Sim, há toda uma organização. E sim, parece que todo ano bate na mesma tecla com esse assunto, mas é sempre bom relembrar os bastidores. E assim, vem aí, em fevereiro, no meio do carnaval brasileiro, mais um ano do Festival de Cinema de Berlim (que eu faço a cobertura desde 2014). Nesses dez anos elegi o evento berlinense como o meu favorito. Há uma cinefilia orgânica presente em quem faz e quem participa do festival. Há uma maior interatividade entre equipe dos filmes, público e imprensa. E tudo, apesar do frio (eu já olhei a meteorologia para 2024 e está na média de seis graus positivos). Cada um ali internaliza o propósito incondicional de vivenciar plenamente a experiência de receber um filme. Sim, há algo mais. É diferente. 

O Festival de Cinema de Berlim chega a 74a edição, de 15 a 25 de fevereiro. Se procurarmos no simbolismo do casamento, saberemos então que são Bodas de Macieira, visto que na mitologia céltica, o fruto maçã é o conhecimento. Para os medievais, a Ilha dos Bem-aventurados, por representar o acesso dos indivíduos num mundo semelhante ao paraíso e que se localizava paralelamente ao mundo terreno. Sim, super válido e bem pertinente usar essa metáfora para a arte de se amar o cinema. O Festival de Cinema de Berlim foi criado para o público berlinense em 1951, no início da Guerra Fria, como uma “vitrine do mundo livre”. Moldada pelo turbulento período pós-guerra e pela situação única de uma cidade dividida nos Muros, a Berlinale tornou-se um local de intercâmbio intercultural e uma plataforma para a exploração cinematográfica crítica de questões sociais.

Em seu blog, o diretor artístico do Festival de Berlim, Carlo Chatrian escreveu: “A programação de um festival é ainda mais do que apenas um alinhamento (esperançosamente coerente) de filmes, o resultado de um ano de trabalho, de reuniões, de viagens, de visualizações frequentemente inesperadas e instantâneas. Na hora de montar a seleção, essa parte da experiência não ganha o seu momento de destaque, mas tenho cada vez mais consciência da importância dessa parte invisível que antecede e acompanha a exibição do filme”. Sim, não é nem um pouco simples montar um festival como esse. 

“Para mim, nos próximos dias, o coração pulsante de Berlim e o festival acontecem no tapete vermelho e ao redor onde a alegria e curiosidade do público e do os cineastas são aproximados. Eu desejo a todos vocês experiências cinematográficas muito especiais, encontros interessantes e boas conversas”, escreveu a diretora artística do Festival de Cinema de Berlim, Mariëtte Rissenbeek.

Berlinale Mariëtte Rissenbeek, Carlo Chatrian
Mariëtte Rissenbeek e Carlo Chatrian

Sim, é preciso equilibrar as novidades com a essência identitária. Ano passado, o Festival de Cinema de Berlim homenageou Steven Spielberg, exibiu seu mais recente filme, “The Fabelmans”, e ainda presenteou seu público com uma masterclass. Este ano, quem receberá o Urso de Ouro Honorário será o realizador Martin Scorsese, que ganhará sessões dos filmes “Depois de Horas” e “Os Infiltrados”, e também conversará livremente com o público. Lógico que eu estarei na sala de imprensa. Certos eventos são imperdíveis. E quem perde, sente remorso. A justificativa da homenagem: “Martin Scorsese está empenhado em apoiar jovens cineastas e na preservação da história do cinema. A 74ª edição da Berlinale apresenta “Os Infiltrados”, vencedor do Oscar por Melhor Filme e Melhor Diretor em 2007, bem como uma nova restauração de “Depois de Horas” (na Berlinale Classics). Os dois filmes são suas primeiras e últimas colaborações com o lendário diretor de fotografia alemão Michael Ballhaus. Além disso, o Berlinale Special inclui o novo documentário “Made in Inglaterra: Os Filmes de Powell e Pressburger”, dirigido por David Hinton e narrado pelo próprio Scorsese”. 

“Os filmes da 74ª Berlinale exigem a nossa atenção. Mesmo quando divertem – e há vários comédias no programa – eles fazem isso para nos lembrar que somos seres feitos de carne e osso. Isso é o que contam Edgar Reitz e Martin Scorsese, os dois mestres a quem o festival deste ano homenageia. Para um filme, um personagem deve ser fiador de sua história e esta é uma responsabilidade que não pode ser assumida levianamente. Especialmente hoje”, complementou Carlo Chatrian.

O Festival de Cinema de Berlim está dividido em 12 mostras. A Competição ao Urso de Ouro é o centro do festival. A Berlinale Special oferece espaço para o extraordinário, o glamoroso e as preocupações especiais do festival. A mostra Encontros é uma plataforma que visa fomentar trabalhos esteticamente e estruturalmente ousados ​​de cineastas independentes e inovadores. A competição de curtas-metragens Berlinale Shorts irradia toda a gama de cores, amplia os limites e estabelece novos caminhos no vasto campo das possibilidades cinematográficas. A mostra Panorama exibe cinema extraordinário, é tradicional favorito do público e – com prêmio próprio do público – tem o maior júri do festival. A mostra Fórum e Fórum Expandido representam reflexões sobre o meio cinematográfico, o discurso sócio-artístico e um sentido particular para a estética. A mostra Geração apresenta filmes que importam – para jovens cineastas e todos os demais. O festival traz também Retrospectiva, Clássicos da Berlinale e Homenagem, filmes da história do cinema em alta qualidade e remasterizados. Já a apresentação especial da Berlinale Goes Kiez seleciona filmes do festival e seus elencos e equipes para cinemas de arte.

Berlinale Betania
Filme “Betânia”

Sim, o Cinema Brasileiro também marca presença no Festival de Cinema de Berlim com cinco títulos, além de série e de co-produção. O curta-metragem “Lapso”, integrante da mostra Geração 14Plus, de Caroline Cavalcanti, sobre dois adolescentes que moram na periferia de Belo Horizonte e se encontram durante o cumprimento de uma medida socioeducativa. Através das experiências partilhadas de repressão por parte das autoridades estatais, aproximam-se lentamente. Já na mostra Panorama, tem o longa-metragem “Betânia”, do realizador brasileiro estreante Marcelo Botta, que depois de perder o marido, a parteira Betânia, de 65 anos, é persuadida pelas filhas a deixar a sua aldeia remota. Ela se aproxima das dunas dos Lençóis Maranhenses, no norte do Brasil, e aventura um novo começo.

Na mostra Encontros, nosso representante é “Cidade; Campo”, de Juliana Rojas (de “As Boas Maneiras” – Leia AQUI o Especial Juliana Rojas), que conta duas histórias de migração, memórias e fantasmas. Após um desastre inundar suas terras, Joana se muda para São Paulo e tenta recomeçar sua vida. Após a morte do pai, Flávia muda-se para a fazenda dele no interior com a esposa Mara. Mais um da mesma mostra é a co-produção e localização brasileira, “Dormir de Olhos Abertos”, da realizadora alemã Nele Wohlatz (de “O Futuro Perfeito”), sobre uma cidade costeira do Brasil. Fu Ang, Kai e Xiao Xin raramente se encontram nesta comédia tranquila de mal-entendidos. No entanto, durante um verão quente e lento, laços delicados crescem entre eles, como ilhas num mar cheio de tubarões.

Na mostra Fórum Extendido, há o curta-metragem brasileiro “Quebrante”, de Janaina Wagner. O documentário segue Dona Erismar, uma professora aposentada e espeleóloga, enquanto percorre as cavernas, ruínas e fantasmagorias da Rodovia Transamazônica – ainda uma cicatriz recente do sonho destruído da história do Brasil – retratando suas pedras e fantasmas. Na Berlinale Special, temos outra co-produção. “Shikun, de Amos Gitai, com Irène Jacob. Situado num único edifício multiusos israelita, o Shikun, e inspirado na peça clássica de Eugène Ionesco, “Rhinoceros”, uma coleção de episódios teatrais dramatiza a ascensão do pensamento autoritário, à medida que algumas personagens se transformam em rinocerontes e outras resistem. 

O mercado de exibição de séries do Festival de Cinema de Berlim completa dez anos. “O conteúdo serial de alta qualidade tornou-se há muito tempo parte integrante do mercado. As distribuidoras que possuem séries em seu portfólio são bem recompensadas financeiramente. E com o Mercado de Séries Berlinale, o EFM tornou-se um centro atraente para a comercialização de conteúdo serial de alta qualidade. Temos o prazer de apresentar uma seleção diversificada de novas séries promissoras cuidadosamente escolhidas da Europa, América do Norte e do Sul, África e Austrália, apresentando uma ampla gama de gêneros e excelente potencial de vendas”, disse o Diretor da EFM, Dennis Ruh. E o Brasil está presente com a produção “Betinho – No Fio da Navalha”. A série original Globoplay, criado por José Junior e dirigida por Andre Felipe Binder e Júlio Andrade (este que encarna o protagonista) é uma telebiografia do sociólogo Herbet de Souza, também conhecido como Betinho, e sua luta para combater a fome e proporcionar aos pobres o acesso à justiça social. 

Berlinale Juri 2024

Os Júris Oficiais do Festival de Cinema de Berlim 2024 também foram apresentados. Na Competição Urso de Ouro e de Prata, quem preside é a atriz queniana Lupita Nyong’o (de “Pantera Negra”), seguida pelo diretor norteamericano Brady Corbet (de “Vox Luz”); pela diretora de Hong Kong Ann Hui; o diretor alemão Christian Petzold (de “Afire”); o diretor espanhol Albert Serra (de “Pacifiction”); a diretora italiana Jasmine Trinca (de “Miele”); e a escritora ucraniana Oksana Zabuzhko. Na mostra Encontros, o júri é formado pelo diretor argentino Lisandro Alonso; pelo diretor canadense Denis Côté; e pela diretora italiana Tizza Covi. Na mostra de Curtas-Metragens, o diretor alemão Ilker Çatak; o editor de som espanhol Xabier Erkizia; e pela diretora norteamericana Jennifer Reeder. Na mostra Geração, o diretor sudanês Amjad Abu Alala; a atriz iraniana Banafshe Hourmazdi; e pelo diretor norteamericano Ira Sachs. 

Os destaques da mostra competitiva oficial são o novo filme de Abderrahmane Sissako, “Black Tea”; de Alonso Ruizpalacios, “La Cocina”; de Bruno Dumont, “L’Impire”; o super aguardado de Olivier Assayas, “Hours du Temps”; e claro, de Hong Sangsoo, “A Traveler’s Needs”. E “Small Things Like These”, de Tim Mielants, com o “oppenheimer” Cillian Murphy, filme de abertura do festival. Da Berlinale Special, tem “Love Lies Bleeding”, de Rose Glass, com Kristen Stewart; “Spaceman”, de Johan Renck, com Adam Sandler, Carey Mulligan; “Seven Veils”, de Atom Egoyan, com Amanda Seyfried; de Nicolas Philibert (diretor vencedor do Urso de Ouro de Melhor Filme no Festival de Cinema de Berlim do ano passado), “At Averroes & Rosa Parks”; de Abel Ferrara, “Turn in the Wound”; de Tsai Ming-liang, “Abiding Nowhere”. Do Encontros, o novo de Matías Piñeiro, “Tú me Abrasas”. Da Panorama, “Between the Temples”, de Nathan Silver, com Jason Schwartzman; de André Téchiné, “My New Friends”; de Bruce LaBruce, “The Visitor”.

O Festival de Cinema de Berlim também traz a tradição de seu trailer oficial que antecede os filmes, desde 2002. Ideia e criação de Uli M Schueppel, com storyboard de Angelika Margull e música de Johannes Koeniger e Xaver von Treyer. Toda vez, todo ano, não há como deixar de sentir emoção. Uns arrepiam-se. Outros chegam a chorar pela tom de catarse cinéfila. Assista ao trailer no topo desta matéria! A outra homenagem vai para a Câmera de um dos cineastas mais influentes sua geração, Edgar Reitz, autor de uma obra que permanecerá para sempre um marco na história do cinema.

Berlinale

Hoje, mantendo a fama de ser um dos festivais mais políticos do mundo, o Festival de Cinema de Berlim lançou em suas redes sociais e no site oficial a nota de retirar convites: “Nos últimos dias, tem havido uma intensa discussão no sector cultural, na imprensa e nas redes sociais, bem como dentro da equipa da Berlinale, sobre os convites de políticos da AfD, um partido extremista de direita, para a cerimônia de abertura. Hoje, os diretores da Berlinale decidiram desconvidar os cinco políticos da AfD anteriormente convidados. O discurso atual deixou mais uma vez muito claro o quanto o compromisso com uma sociedade livre e tolerante e a posição contra o extremismo de direita fazem parte do ADN da Berlinale. Durante décadas, a Berlinale esteve comprometida com os valores democráticos e contra todas as formas de extremismo de direita. A programação cinematográfica e a Berlinale como instituição cultural representam isso. O festival salientou repetidamente que observa com preocupação a forma como o anti-semitismo, o ressentimento anti-muçulmano, o discurso de ódio e outras atitudes anti-democráticas e discriminatórias estão a aumentar na Alemanha.

O Vertentes do Cinema fará a cobertura completa. Acompanhe no site e na nossa rede social do Instagram. E nós temos também uma tradição: listar a lista completa da imprensa presente Festival de Cinema de Berlim. Neste ano, 29 jornalistas estão ativos, incluindo meu nome e nosso site. Quem são os outros 28? Wellington Almeida (Cinema7Arte); Neusa Barbosa (Cineweb); Natália Bocanera (Coletivo Crítico); Bruno Carmelo (Meio Amargo); Luciana Dolabella (Tópicos); Ivan Finotti (Folha de São Paulo); Rodrigo Fonseca (Correio da Manhã – RJ); Mariana Fontes (UOL – Universo Online); Sandra Gomes (Jundiai Agora); Camila Gonzatto (Goethe.de Brasilien); Elaine Guerini (Valor Econômico); Carlos Héli (O Globo); Fátima Lacerda (Cinematório); Orlando Margarido (Blog do Orlando Margarido Cinema e Algo Mais); Kelly Mendes (UOL – Universo Online); Luiz Carlos Merten (O Estado de São Paulo); Robledo Milani (Papo de Cinema); Hebert Neri (UOL – Universo Online); Letícia Queiroz (CinePOP); Ilana Rodrigues (16mm); Marcio Salem (Cinema com Crítica); Myrna Silveira Brandão (MCcinema / Jornal do Brasil); Maria Antônia Silveira Gonçalves (MCcinema / Jornal do Brasil); Albert Steinberger (Deutsche Welle TV Brasilien Redaktion); Gustavo Valente (Set Por Sete); Maria Catarina Vaz (16mm); Suzana Vidigal (Cine Garimpo); e Pablo Villaça (Cinema em Cena). 

Berlinale 2024

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