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Tudo pela minha filha

A indústria de refém

Por Vitor Velloso

Cinema Virtual

Tudo pela minha filha

E a cada semana somos “presenteados” com lançamentos no streaming brasileiro, a curadoria está em baixa, entra no mercado aquilo que estava no gatilho da distribuição pré-pandemia ou mesmo os possíveis fracassos em circuito, que acham aqui um espaço para serem exibidos. 

“Tudo pela minha filha” de Sanele Zulu é o agrado sul-africano para o cinema internacional. Buscar questionar a violência de forma sintomática, visando a estrutura dessa sociedade de exclusões, que ignora seus problemas sociais, mas organiza tudo na fôrma industrial norte-americana. Os clichês aqui vão se multiplicando aos montes, são flashbacks utilizados fora de hora, na intenção de tratar dos dramas particulares de seus personagens como eixo central de suas ações na narrativa, indo para a música que irrompe da construção para ressaltar alguma verve sentimental da trama etc. É um montante de ladainha industrial que já estamos saturados, mas são replicados aqui como uma articulação mais pragmática do gênero.

Se nem tudo são rosas no cenário internacional, a podridão alcança seu ápice quando tratamos de uma internacionalização cinematográfica, onde a produção visa sempre alcançar um status fora de sua origem, seja por dinheiro ou mesmo um aplauso gringo. Esse processo está ocorrendo no Brasil, de maneira grave. É um problema de mercado, tanto no consumo, como produção. Cita-se o número de prêmios que levou no exterior, mas não a opinião interna. É quando vemos que para defender uma obra querida, um crítico se vê seduzido em compartilhar múltiplas opiniões do The New York Times a Cahiers, conservadores, sobre o filme X. Ou mesmo quando não se escreve crítica, mas um texto defendendo que o filme Y “é o melhor filme do ano”, a razão nunca fica clara na escrita, só a emoção juvenil de quem acorda e teve uma polução noturna, após ser sedado com os ansiolíticos da burguesia. 

Está claro que “Tudo pela minha filha” não se enquadra por completo neste perfil, pois mira as cifras com mais intensidade, mas parte de sua abordagem e estratégia comercial criam interseções com tais questões. Só não possui sagacidade para o mesmo. Aqui tudo é dado de maneira muito ingênua, acredita-se firmemente em um jogo formal que se compreende como reprodução do gênero, sem cair nas armadilhas da indústria, mas onde acredita estar levando o formulaico como articulação do projeto, está direcionando todo o encaminhamento à padronização geral de si. O projeto não consegue dar uma propriedade para sua história, a própria intencionalidade de tornar grande parte do filme um flashback, quebra qualquer tensão dramática que poderia ocorrer no progresso, pois o espectador sabe exatamente onde ocorrerá um atravessamento narrativo e como ele vai se desenrolar. 

Qualquer chave surpresa se perde na obviedade da direção, tudo vai se articulando como um piloto de série B. A chegada da policial que mostra sua capacidade de ser violenta, de maneira tacanha, sua história que não se confunde com a da menina (como o longa acredita), a própria linguagem que se desenha sempre para um novo precipício de clímax, sem jamais gerar algo no público. E isso tudo ocorre pelos excessos de clichê e estereótipos que o filme vai expondo. Diversas oportunidades são perdidas aqui. “Tudo pela minha filha” quer compreender em si uma articulação dialética entre as motivações de seus personagens, mas parece utilizar a garota como artifício para isso. E ainda assim, não consegue chegar a lugar nenhum, pois é tão simplista em sua abordagem, que a leitura unilateral é a única saída da obra. Não há relações dúbias, julgamentos inversos, atravessados ou mesmo uma empatia mais honesta dessa história. Há espaço apenas para a narrativa expositiva, internacionalizada, de cifras. 

Se as coisas são largadas à esmo durante a exibição do filme, cabe ao espectador fazer juízo de valor com relações exteriores a obra, buscando trazer elementos que nem sequer são apresentados, para que se compreenda ou mesmo que venha a defender algum de seus personagens. E como muitos dos lançamentos nos streaming recentes, “Tudo pela minha filha” é uma obra que se perde no mar da internet e não consegue chamar atenção nem mesmo para o cinema sul-africano. O que é uma pena, já que a inserção dessas obras no mercado brasileiro já é dificultada pelos consumidores. Nos resta aguardar outras.

2 Nota do Crítico 5 1

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