Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo
Maçaroca
Por Ciro Araujo
Festival de Sundance 2022
A avalanche sistemática e cultural chega e decide lançar “Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo”, novo filme da dupla de cineastas Daniel Kwan e Daniel Scheinert e produzido pela A24, o selo de obras paralelas dos Estados Unidos, mas que também possui um leve grau de distribuição bem aplicada. O longa-metragem fala muito mais sobre a transformação da cultura americana no século XXI, dos procedimentos para a esteira de comédias contemporâneas e a dominação de millenials na cadeia cinematográfica.
Muito como uma continuação do estilo dos dois Danieis (ambos os diretores xarás), o longa-metragem é uma maçaroca no modo livre, correndo através de alegorias que envolvem o ser, a meia-idade e a imigração. Essa assimilação é trivial para a exponencia máxima da sociedade que vive à mercê de TikTok e essas redes sociais de curta duração e máxima exposição. Cortes rápidos, violência, referências e uso de temas em alta pela mídia pop viram ferramentas dos artistas para atravessarem a barreira linguística em certos temas.
É por isso que “Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo” está recebendo ótimas avaliações no âmbito internetês; A condição permeada da receptação e atuação humana a partir do momento em que foi impactada por redes sociais mudou tanto, que acaba se tornando um trabalho de abrir o paladar para a audiência. Apesar desse assunto acabar flertando de vez com o elitismo cultural, não é novidade alguma o próprio espectador se limitar para escolher a dedo o que considera alta arte e o que não, enquanto se limita apenas ao blockbuster, em uma tentativa de se menosprezar como alguém não capaz de consumir nem mesmo o além da média. Pois bem, a obra da dupla Daniel é caracterizada como esse amolecimento da linguagem cinematográfica.
Superado essa questão, entra o drama nuclear girando entorno de uma família de imigrantes chineses. O estranho caldeirão cultural formado nos Estados Unidos que é preenchido com xenofobia e racismo é bizarro. Uma das temáticas mais recentes e crescentes no país é justamente a centralização de famílias asiáticas (especialmente as coreanas, japonesas e, por fim, chinesas) nas mídias principais. Tem a ver com a crescente enxurrada de influência cultural do mercado oriental, mas também com a clareza maior que se vê do que agora é a segunda geração vivendo no país norte-americano; representatividade para aqueles que fazem parte de uma porção significativa da população.
Através dessa temática central, a dupla de diretores decide então focar na essência do filme: a mistura heterogênea de gêneros, temáticas e identidades. O complicado conjunto da obra permite uma abertura interessante para homenagens, desde Wong Kar-Wai até Edward Yang. Sem embargo, a margem reproduzida nas imagens icônicas desses diretores do continente asiático perpetua e aterroriza a obra em um conjunto. Suas cenas não possuem tanta intensidade e reluzem de forma fraca dentro da memória. Parece que perdem sua fraqueza quando são individualizadas, entre uma direção de arte que se espera muito e apenas acredita estar realizando algo de diferente.
Talvez seja pelo costume norte-americano, mas tantos diretores criativos e estilisticamente mais aplicados, tanto cinema que é feito no mundo para ser considerado interessante e diferente… De fato, corrigir temáticas de ficção científica tão (super) usadas é o trabalho mais árduo que se pode pedir num filme desse calibre, mas e o além? O além parte sobre discutir o egoísmo e a importância dentro da vida de imigrantes recentes nesse país tão hipócrita do Tio Sam. E fica nisso, circulando e rodeando durante minutos e minutos, enquanto o tempo passa e mais efeitos são jogados na tela.
Seja lá como os Danieis decidiram trabalhar a maçaroca que implementaram, esse conjunto de gêneros é muito mais uma forma de transformarem narrativas em palatável. O cinema estará ali esperando ansiosamente novidades, mas chamar “Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo” de redescobertas cinematográficas parece uma antecipação muito forte para o que é um trabalho bem esperto, mas pouco efetivo em imagem. Ainda assim, se no fundo questiona-se visões etnocêntricas como a de imigrantes asiáticos puramente insensíveis e racionais, já concorre como um válido trabalho comunicativo. Vale lembrar que a inspiração para a frase decorre do personagem Ke Huy Quan, que desconstrói tão bravamente um emotivo pai e marido, que está longe de qualquer brucutu e assumir a posição protagonista. Ainda assim, ele a rouba de forma encantadora, nos sensibilizando em períodos de forte e ignorante violência na tela renderizados por um computadorzinho.