Todas as melodias
A TV e o mercado
Por Vitor Velloso
Durante o Fest Aruanda 2020
Sempre será pouco reforçarmos o impacto de Luiz Melodia na cultura brasileira, suas composições surgem de uma brasilidade que só pode ser vista em questão das formas materiais com que se opera no campo. “Todas as Melodias”, de Marco Abujamra, Mariana Marinho e Viviane D’Ávilla, busca achar um tom entre o biográfico, o sentimental e a homenagem. Por essa razão, constrói suas bases em torno de um compilado de performances, materiais de arquivo e entrevistas. Optando por um caminho mais direto, expositivo, para a obra, que resulta em um encaminhamento que não impõe grandes verve sentimentais para o espectador, mas realça que a importância e as melodias possíveis de seu protagonista, se mantém como uma expressão de um Brasil possível e palpável.
O longa não parece reconhecer as raízes das forças que tanto exalta. Perde ritmo em transas de homenagem, não consegue formalizar suas necessidades de expressão e acaba sambando de acordo com a música. Ou seja, reforça o produto como um documentário com ampla distribuição televisiva. Li em algum lugar a “grife Canal Brasil”, devo agradecer ao autor que a memória já não agracia. Contudo, nem tudo é execução mercadológica, há um bocado de paixão envolvida aqui e “Todas as Melodias” não tem medo de assumir tais verve.
Algumas de suas entrevistas não acham espaço na própria estrutura e suspendem feitos que o filme busca. A própria homenagem não encontra grandes espaços na montagem e ficam reaparecendo à esmo, conforme a perda de fluxo em sua construção passa a abrir necessidades múltiplas no projeto. Desta forma, o público mantém seu interesse por reconhecer em seu protagonista a figura que por si só, foi capaz de carregar consigo parte da história cultural brasileira. Não à toa, o documentário precisa encontrar em seus espectadores, parte da paixão para que haja algum compartilhamento, do contrário, esta “proposta” com olhar mais “vendável”, afasta uma parcela de quem se debruça a assistir.
A frustração pode ser sentimento comum, pois a falta de organização no próprio material e uma desarticulação na construção, provocada pelas suas intencionalidades, enobrece a função de Morfeu e provoca alguns bocejos progressivos. Alguns pequenos lampejos positivos surgem dos materiais de arquivo, quando nos colocamos diante do protagonista, entre intimidades e performances. Contudo, “Todas as Melodias” parece conjugar verbo com parcialidades turvas da contemporaneidade política e cultural do Brasil. Um exemplo disso são os cortes que vislumbram o “encerramento” nos versos de Melodia, como alguns fades após “frases impactantes” do músico, que encerram o som e abre margem para “aplausos” do público ou momentos de reflexão. É um barato um tanto piegas que alcança no máximo um sentimento meio desconcertado.
O tom geral não difere muito do adjetivo do autor esquecido, mencionado anteriormente, segue uma padronização formulaica que não busca caminhos distintos das demais produções documentais do cinema brasileiro contemporâneo, ou do Canal Brasil. Torna-se um acréscimo de catálogo, que apesar de grande êxito temático, não consegue desvincular determinados “grilhões” de suas produções. Quando um dos momentos que mais se mantém na recente memória do documentário, é o Arnaldo Antunes colocando uma bota do Luiz Melodia, percebemos que o barato não tá funcionando. A participação de Zezé Motta até adiciona um bocado de alma e calor ao esquerdo pulsante, mas não consegue sustentar o filme.
E “Todas as Melodias” vai se desenrolando nesse encaminhamento do “grife Canal Brasil” e da produção televisiva que tenta ser funcional em dar ao espectador a nostalgia das composições de seu protagonista, ou o ímpeto para os que não conhecem. Nessa perspectiva, soa um daqueles álbuns dominicais de banca de revista, que secciona um breve espaço afim de introduzir o leitor à uma obra.
Ao fim da projeção, o espectador que não conhecia Melodia antes, continua sem compreender a real importância do compositor na cultura brasileira, mas sai com um bocado de causos para contar da vida pessoal. Se torna um punhado de curiosidades e relatos de amigos próximos, um barato meio “Labirinto do Brasil” que funciona pelo grau de curiosidade, mas se torna incapaz de concretizar algum sentimento diante da exibição.