Tocados Pelo Sol
O sul da Espanha e os contrastes da conciliação
Por Vitor Velloso
Cinema Virtual
Seguindo a linha dos longas sobre amadurecimento que chegam às plataformas de streaming com alguma regularidade, “Tocados Pelo Sol”, é mais um projeto que desembarca em terras brasileiras, mostrando que não há interesse na exibição de filmes brasileiros e latino-americanos, mantendo a tradição de amontoar longas europeus. A película de Carolina Hellsgård procura uma representação da juventude contemporânea, entre bebidas, curtição e danças, enquanto mostra a preocupação de Claire (Zita Gaier) pela situação de Amram (Gedion Oduor Wekesa), um jovem senegalês que vende nas praias espanholas para conseguir sobreviver.
Já nas primeiras cenas fica claro que o filme objetifica esse contraste como tentativa desesperada de reconciliação, uma espécie de exposição das boas atitudes da garota, que até sonha com uma “ajuda” concreta, mas segue em seus assistencialismos. Está claro que o racismo que percebe ao seu redor, parece desumano, contudo, o exotismo que “Tocados Pelo Sol” constrói a partir dessa relação é o eurocentrismo que estamos acostumados. Amram é esse ícone de pureza diante de um mundo corrupto, supérfluo, onde os jovens brancos dançam e fazem apresentações uns aos outros, com uma espécie de coaching na beira da piscina do hotel. E é exatamente nesse contraste das riquezas, que o projeto reforça esse caráter objetificador do sentimento de pena, uma mostra da reprodução dos estereótipos das “correspondências” de ambos os personagens. Porém, a “falta do pai” que ambos compartilham, só podem ser comparadas na idealização das relações. A “saudade” possui raízes diferentes, motivos distintos e contextos opostos. Ao tentar aproximar os sentimentos, o filme caminha para algo verdadeiramente desonesto, a dissolução das classes e das etnias, em prol de uma homogeneização sentimental. Os esforços em mostrar como o deslocamento de Claire a aproxima de Amram é o que faz essa articulação ainda mais problemática, pois procura equalizar essa marginalização.
Além desse caráter duvidoso, a falta de organização em conciliar a quantidade de personagens, faz com que alguns estejam verdadeiramente fora dos planos, retornando quando o roteiro necessita de um gatilho pragmático para uma discussão ou dramatização exacerbada. É onde o clichê fica ainda mais visível, retornando às necessidades de reforçar culpas, redenções e procuras internas que sempre acabam em uma reconciliação, seja ela de origem paisagística (com o verdadeiro fetiche dos lugares) ou das relações que se fortalecem novamente.
Apesar de algumas boas atuações, em especial a de Gedion Oduor Wekesa, “Tocados Pelo Sol” é daqueles filmes que são descartados diante de uma janela competitiva nas salas de cinema, ou seja, uma alternativa de entretenimento europeu em casa, com todas as fórmulas que ajudam a promover um projeto tão caricato quanto tendencioso. Seus diálogos em inglês apenas ajudam na distribuição internacional para as plataformas que procuram obras com teor moral “dignificante” ou como disse recentemente, ou nem tanto, um global: edificante. A conciliação é uma farsa dominante, travestida de sonho democrático. Um projeto que finge fazer uma denuncia, ainda que não se esforce tanto para desenvolver isso. A sequência das máscaras de raposas e coelhos, é a síntese desse fetiche em torno do que há de mais “selvagem” nessa aproximação de fronteiras, aliás, o termo é utilizado no filme. Até o deserto se torna lugar de desejo entre as peregrinações e as reflexões divagantes em torno da vida e seu sentido.
Se realmente houvesse consciência dos contrastes aqui apresentados, “Tocados Pelo Sol” seria mais solar, como o próprio título sugere, não estaria trabalhando com os simbolismos mais assistencialistas e poderia vir a debater as condições que levaram os personagens às suas situações. Porém, é mais vendável trabalhar uma representação de moradia dos refugiados como um submundo em meio ao paraíso, onde a câmera segue a personagem em espaços estreitos que revelam a miséria, o medo toma conta de suas feições, porque a “revelação” é um choque, que jamais sai da superfície, afinal, uma Alemanha a aguarda. A abertura dos espaços em meio às belas paisagens do sul da Espanha é o contraste categórico que o espectador esperava.