Tipóia
Reação Tardia
Por Jorge Cruz
Mostra Sesc de Cinema 2019
Em “Tipóia“, o trio Paulo Silver, Jande Silver e Lidiane Bernardino faz um trabalho exemplar de aproximação estética da realidade para deixar o espectador com as suas impressões sobre um dos períodos mais conturbados da sociedade brasileira, na transição entre 2015 e 2016. Doura essa pílula de contextualização histórica partindo de uma premissa que apavora nove em cada dez assalariados, qual seja, a de nos deparamos por um longo período em casa – na companhia da televisão e seu bombardeio de capitalismo do caos.
Iniciando com uma brincadeira sensorial de narrativa que remete à meditação, o curta-metragem verbaliza em seus primeiros momentos sua proposta de divagação da mente. Todavia, nas representações que sucedem essa introdução, fica claro que a ideia é a de identificação imediata, com filmagem caseira onde a perda de foco é por vezes permitida. Ao som de mensagens de Whatsapp e jornais matutinos da TV aberta, “Tipóia” formula com inteligência essa mistura de sofrimento do protagonista Paulo, obrigado a ficar em casa por conta de um problema no braço, com a impotência de quem assiste o parquinho pegando fogo à distância.
Não há juízo de valor na obra, acompanhamos o personagem e seus testemunhos de discursos políticos sobre escândalos de corrupção do governo de Michel Temer convivendo com a forte propaganda em prol da Reforma da Previdência. Deixa para ser mais incisivo no trato com as artes, em especial o próprio cinema. Não sentencia a morte da produção nacional como Murilo Salles e Sandra Werneck fizeram no curta “Pornografia” de 1992. É uma obra política ao se valer das circunstâncias, escancarando a crise institucional brasileira de forma que o espectador que assim não entenda seja obrigado a repelir esse produto audiovisual.
Dentro da programação da 3ª Mostra Sesc de Cinema, o curta-metragem “Tipóia“, como representante de Alagoas, talvez seja a alegoria mais politizada do festival. Uma boa maneira de ressignificar discursos para falar muito sem se valer de discursos diretos.
Para o crítico Pedro Guedes:
Antes de qualquer imagem aparecer na tela (a não ser a logomarca da Selva Independente), surge uma narração em off que ordena que o espectador se mantenha em uma posição confortável e busque relaxar. Sim, este comando pode ter sido – e provavelmente foi – direcionado ao personagem central de “Tipoia”, mas não deixa de ser uma súplica também para o público, que, nos próximos quinze minutos, dividirá com o protagonista um sentimento de total impotência. A dor e a vulnerabilidade são primordialmente físicas, mas o aspecto psicológico de ambas é agravado pela realidade revoltante do que está ao seu redor.
Acompanhando um jovem que sofreu uma lesão no braço e, por consequência, terá que repousar em casa ao longo das próximas semanas, “Tipoia” aproveita a condição do protagonista para bombardeá-lo com um tipo de horror do qual ele dificilmente conseguirá escapar: o horror do mundo real. Em especial, do Brasil em pleno governo de Michel Temer. Assim, ao acompanhar os noticiários e ao receber as informações a respeito dos cortes nas verbas públicas e dos escândalos de corrupção que culminaram em um simples “Não renunciarei”, a única reação que resta ao personagem é a de amargar com aquilo tudo, mal podendo esboçar um reflexo mais contundente – e o fato de ter perdido o emprego conquistado há mais ou menos um mês por causa dos tais “cortes de gastos” obviamente transforma a revolta do rapaz diante do governo em uma questão pessoal.
Aliás, o diretor Paulo Silver espelha a impotência do protagonista (e do público) através de diversas experimentações com a linguagem do curta-metragem, chegando ao ponto de negativar imagens de acordo com o que está sendo dito em off. O diálogo entre o “áudio” e o “visual” é o que transforma “Tipoia” em uma experiência tão eficiente – e o fato de absorver a realidade de sua época e convertê-la em Arte só fortalece o resultado da obra como um todo.