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The Boys In The Band

Carta aberta ao Preconceito

Por Laisa Lima

Netflix

The Boys In The Band

Ficar preso junto a outras pessoas em um único ambiente sempre propiciou reflexões pertinentes conduzidas pelos ali inseridos, considerando, porém, o alto risco de florescer questões duvidosas e por vezes polêmicas relacionadas ao cotidiano dos personagens, o que foi mais que comprovado em filmes como “Deus da Carnificina”(2011), de Roman Polanski, e “Os 8 Odiados” (2016). “The Boys In The Band” (2020), de Joe Mantello, ratifica que, quando há indivíduos dividindo o mesmo recinto por um longo tempo, a chance de dali sair uma pluralidade de opiniões e pensamentos, é grande.

“The Boys In The Band” é um filme gerado a partir da peça teatral escrita por Mart Crowley, em 1968 (após estrear na Broadway em 2018, e no cinema, em 1970, com a direção de William Friedkin, responsável por “O Exorcista”(1973). A obra de 2020 produzida pela Netflix e por Ryan Murphy (de “Glee”), não é uma película voltada para o que se trata do estereotipo imaginado por alguns, em relação ao mundo homossexual. Aqui, Michael (Jim Parsons) organiza uma festa para Harold (Zachary Quinto), convidando seus amigos (todos gays) mais próximos, mas se surpreendendo com a inusitada presença de um homem hétero, Alan (Brain Hutchison). Começando por aí, as dissertações sobre preconceito, liberdade, paixões e, principalmente, descobertas pessoais, ditam muito mais o ritmo do longa-metragem, do que rótulos discriminatórios esperados na mente dos mais limitados.

Em seu início, a obra exprime pitadas cômicas, e a leveza com que a câmera flutua entre um cômodo e outro da casa de Michael em um travelling aparentemente fora da moradia, e o dinamismo da imagem, ainda suave, focando em cada personagem e, posteriormente, sem corte, deslizando até o próximo; torna a fluidez um item presente. Ainda sobre o começo de “The Boys In The Band”, apesar de “se entregar” como um seguinte drama já nos primeiros diálogos – neste caso entre Michael e Donald (Matt Bomer) – é expresso as dificuldades impostas pela homossexualidade, dito de uma forma despretensiosa. A atmosfera da casa do personagem de Parsons fortifica o ar descontraído, tendo no local, um típico apartamento despojado, espaçoso, e iluminado casualmente, além do constante jazz tocando ao fundo. Apesar do começo alegre, após a chegada dos amigos e após um determinado momento, a junção de tantas personalidades e estilos de pensar, torna o local sufocante, uma clausura tanto para tais pessoas, quanto para o espectador.

As contrariedades observadas nas características dos personagens vão desde em Emory (Robin de Jesús), homem tido como possuidor de trejeitos femininos, o que é idealizado por alguns como o padrão do “ser gay”; e Hank (Tuc Watkins), que subverte tal modelo por conta de seu casamento com uma mulher. Entretanto, a busca pela liberdade de expressão e o entendimento de sua própria condição como homossexual, não deixando de levar em conta o período no filme vivido, anos 60, são encontrados de diferentes formas e obtidos na maneira de afirmação do estado interior de cada protagonista. Os amigos, então, passam por provações dentro dos próprios acontecimentos desenvolvidos tendo como base a visão de mundo e da conjunção existente de cada um, com os sucessivos eventos sempre corroborando com suas atitudes. É descoberto, por conta das falas carregadas de emoção e reveladoras do verdadeiro “eu” dos rapazes, a adversidade unânime enfrentada por todos, que embora sejam atravessados de distintos jeitos, não anulam o fato de ser um obstáculo geral; a contenção da essência de seus próprios indivíduos.

Para o seguimento da narrativa, “The Boys In The Band”, a sensação de enclausuramento pertence não só aos personagens. Ao escapar da sala de Michael apenas em momentos de lembranças, o espectador sente-se preso, assim como a alma dos indivíduos que lá estão. E para o funcionamento orgânico disso, os atores – que ainda inclui Andrew Rannels como Larry, Michael Benjamin Washington como Bernard, e o cowboy de Charlie Carver – precisavam estar bem coordenados em favor do andamento de troca no longa-metragem: troca de olhares, demonstradas desde o princípio da obra pelos personagens e inicialmente indecifráveis; e troca de falas, uma vez a rapidez do tempo de resposta dos amigos e de sua perspicácia. Os artistas desempenham uma função, então, que facilita a direção quase teatral de Mantello, na qual não necessita nem um cenário nem elementos diferenciados, basta um foco e uma montagem mais trabalhada em cima daquilo que o filme mais preza: a emoção vinda de uma fidedigna atuação.

O que Joe Mantello faz em “The Boys In The Band”, portanto, é munir o espectador de informações até redundantes, como a existência do medo dos homossexuais perante a exposição de seu real espírito, fato comum na época, e comum agora. A versão de cada personagem torna-se indispensável na hora de formular um pensamento original em volta da temática principal, que comove por meio de um texto carregado emocionalmente e de uma preferência à exibição dos sentimentos manifestados diante das situações ocorridas naquela única noite. A sensação transmitida pelo filme mostra-se capaz de fazer com que sua premissa seja bem mais elevada do que uma simples festa de aniversário surpresa falha. Nessa mesma mise-en-scène, transparecem assuntos abordados de forma direta, certeira, sem muitos rodeios, relevantes, e sem muita escapatória, já que estamos tão presos quanto os personagens. Para àqueles que vivem dentro de seus próprios preconceitos, nada é tão desconcertante quanto a expressão da verdade.

5 Nota do Crítico 5 1

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