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Terra à Deriva

Hollywood goes to China!

Por João Lanari Bo

Terra à Deriva

Foi em setembro de 2013 que Qingdao, cidade situada na costa leste da China, perto do Japão e a um passo da Coreia do Sul, viveu seu instante estelar. Até então seu destaque era garantido pela cerveja homônima, herança da ocupação alemã entre 1898 e 1914, provavelmente a melhor cerveja do país. Coroando a euforia, desembarcaram no majestoso aeroporto local celebridades como Leonardo DiCaprio, Nicole Kidman, John Travolta, Catherine Zeta-Jones, Christoph Waltz, Kate Beckinsale, Ewan McGregor, até mesmo o indefectível produtor Harvey Weinstein – à época ainda incólume das acusações de assédio sexual. Esse time, ao lado de igualmente celebridades chinesas, compareceu ao agradável balneário para prestigiar o momento fundador do “Oriental Movie Metropolis”, conglomerado de estúdios cinematográficos e anexos que pretende, sem meias palavras, emular e, em poucos anos, superar Hollywood. O custo da extravaganza não foi revelado, dá para imaginar…os chineses pensam grande, diria o Conselheiro Acácio, mas a tecnologia hollywoodiana de produzir blockbusters palatáveis para audiências globais e diversificadas é um segredo guardado a sete chaves, para dizer o mínimo.

Passados alguns anos, eis que aparece a primeira superprodução de ficção científica rodada nos estúdios em Qingdao – “Terra à Deriva”, dirigido por Frant Gwo e lançado em fevereiro de 2019 no mercado chinês, que amealhou nas primeiras seis semanas algo como 700 milhões de dólares – custou 50, relativamente pouco para o standard internacional, mas alto para os padrões chineses. Foi um sucesso, uma das maiores bilheterias no gigantesco país, um dos maiores mercados do mundo, desnecessário ressaltar. Veio a pandemia e a distribuição internacional, sobretudo nos EUA, arrefeceu: mesmo a Netflix, que lançou o filme ainda em 2019, não obteve muita repercussão, nem tampouco parece ter investido muito no marketing. Qual o mistério desse aparente flop? Seria apenas a pandemia? Essa é uma história evidentemente inspirada nos laços que mantêm a humanidade unida, a perspectiva de que estamos todos ameaçados por um sol moribundo e em rápida expansão: o perigo iminente de um apocalipse força uma coalizão internacional de cientistas a elaborar plano emergencial para mover a Terra a um novo sistema solar, usando propulsores gigantes. As coisas saem do controle quando, devido a um pico repentino no campo de gravidade de Júpiter, nosso combalido planeta avança resoluto para uma colisão absolutamente destruidora. Os efeitos especiais – na versão 3D das salas – foram elogiados por todos, a partitura musical acelera e ralenta a ação calibrando a emoção da audiência, o design high tech faz jus ao estágio de desenvolvimento que a tecnologia chinesa granjeou mundo afora, mas … a experiência de assistir ao épico interminável de Gwo é tão cansativa que o espectador desavisado pode ser levado ao desespero.

Terra à Deriva” é baseado em um conto do escritor Liu Cixin, star da moderna ficção científica chinesa, nascido em 23 de junho de 1963 na província de Shanxi. Seus pais trabalhavam em uma mina de carvão e ele acabou sendo enviado para reeducação em outra província, durante a Revolução Cultural maoísta. Posteriormente, escreveu seu mais famoso livro, “O Problema dos Três Corpos”, tendo como pano de fundo o ambiente paranoico da mencionada Revolução: projeto militar secreto envia sinais ao espaço para estabelecer contato com alienígenas, e civilização de outro planeta à beira da destruição capta o sinal e planeja invadir a Terra. Liu Cixin adquiriu status nacional, ganhou prêmios, foi traduzido em várias línguas (série da Netflix adaptada do seu best seller já está em produção) e, para satisfação das autoridades de seu país, declarou, em alto e bom som: liberdade individual e política não é o que interessa ao povo chinês, arrematando: se você afrouxasse um pouco o país, as consequências seriam aterrorizantes. Talvez em função dessa posição, digamos, conformista, o enredo do livro (e do filme) privilegie o esforço humano coletivo superando as ações de indivíduos isolados – algo difícil de encaixar no universo encantado dos plots hollywoodianos.

Mesmo que “Terra à Deriva” tenha sido pioneiro em contornar eventuais barreiras censórias – foi a primeira vez que um filme feito na China foi autorizado a exibir a destruição de Pequim e Xangai, as duas principais cidades do país – fica patente, na saturação dos efeitos especiais, que faltam na narrativa os famigerados arcos dramáticos dos personagens, momentos de drama humano que captam e sustentam as ansiedades cognitivas dos espectadores. Ou seja, falta um roteiro consistente, para os padrões hollywoodianos. Seria sua boa recepção no mercado chinês sinal de uma imaturidade da audiência local, afeta a efeitos visuais espetaculares e áudio explosivo em vez de história e personagens? Além das restrições a que são submetidos, os cineastas chineses, nesse nível de superprodução, conseguirão algum dia comunicar-se com um público multicultural e diverso do chinês, e na sequência dominar o cinema no planeta Terra? Em tempo: a produção da sequência do blockbuster scifi está a caminho, informa o “Oriental Movie Metropolis”.

2 Nota do Crítico 5 1

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