Tenet
Os gêneros de Nolan
Por Fabricio Duque
Um dos deveres emanados pela legislação dos direitos humanos é tratar os iguais como iguais e os desiguais como desiguais. Chega a ser lógico que nós, seres humanos enquanto indivíduos sociais, não podemos esperar que alguém e/ou algo e/ou tema sejam analisados e “julgados” pelo mesmo olhar. Cada coisa necessita de uma base-fórmula a ser seguida, ainda que transcenda que se desemboque em outras áreas. E o gênero cinematográfico talvez seja o exemplo mais contundente para explicar os porquês narrativos do mais recente longa-metragem “Tenet” de Christopher Nolan. Corrobora-se a estrutura de seu diretor em fornecer uma impactante e épica experiência “Imax” de som e imagem. Tudo é pensado e articulado à audiência.
Assim, “Tenet” (2020) é essencialmente um filme de ação e deve ser analisado dessa forma. Tiros, explosões, perseguições, conteúdo mastigado-didático (especialmente em seus diálogos) e música-efeito de perigo iminente. Um videoclipe-comercial de mise-en-scène entretenimento e de narrativa fragmentada, à moda de um acompanhamento-drone, em micro-ações continuadas de cortes ultra-rápidos e por câmeras-olhares-perspectivas espreitadas. Quando os limites do ser intrínseco deste gênero são respeitados, o estudo da obra consegue facilitar e categorizar seus clichês característicos, seus elementos típicos e seus palatáveis gatilhos comuns, ainda que o roteiro busque manipular a compreensão do público, desenvoltura que ganha maestria nas mãos publicitárias de Nolan. A história basicamente nos conta sobre um americano que luta contra o mundo para evitar a terceira guerra mundial, “pior que o holocausto nuclear” (uma “guerra fria temporal”), e insere outro gênero, o de ficção científica com o intuito de embasar as “viagens” que quebram a lógica humana do tempo e do espaço.
Ao espectador, é também inevitável não referenciar aos tradicionais filmes de espionagem e seus “homens-máquinas assassinas” (outro gênero empregado), como as sagas “007″ e “Bourne”. Aqui tudo é possível, inclusive a “entropia invertida”. “Tenet” traz a ideia de nacionalismo extremista, em que morrer pelo país é um dever e que o “livre-arbítrio” é pautado pelo conservadorismo mais que incondicional (especialmente pela necessidade absoluta de poder e de se estar no comando, principalmente contra o “monopólio esnobe dos ingleses”), visto que os conflitos moralistas despertam o mais primitivo do humanismo ao “escolher” quem pode ou não morrer, “transmitidos” por um roteiro que insere um gigantesco número de informações para talvez soar inteligente e conhecedor do tema. E/ou com os alívios cômicos para suavizar. E/ou quais rótulos sociais podem ou não falar. A cada filme expressivamente afirmativo da indústria hollywoodiana, nós sentimos pena dessas almas tão apegadas às futilidades de uma sociedade em autodestruição e à carga emocional de sentimentalismo exacerbado. Por que tudo precisa ser tão dramático-inflamado e no limite final cronometrado entre a vida e a morte? As “armas invertidas” podem até tentar ser uma crítica ao sistema, como se procurasse abrigo e “Minority Report – A Nova Lei”, de Steven Spielberg, mas como questionar uma ideia contrário se se precisa dela. Não se deve “cuspir no prato que se come”. “Política é omitir”, diz-se.
“Tenet” também quer trazer a atmosfera de “A Origem”, um dos filmes anteriores de Nolan. E sim é verdade quando se diz que é uma obra afirmativa. Seu protagonista “sem forma” (racismo?), altruísta, “ousado” e “louco” por só querer salvar a humanidade, é uma pessoa preta. A traficante, uma mulher indiana (xenofobia e misoginia?). Ao avançar, o longa-metragem fica mais fantasioso com “cápsulas” para seus “viajantes do tempo” em “cronologia reversa” de “uma entropia que inverte os objetos”, tudo, muito “Matrix” e “Efeito Borboleta”, complementado por uma fotografia saturada ao contraste (como se olhasse muito para o sol) que iguala estágios-épocas. Entre poema de Walt Whitman (mais batido impossível) e seu “Viver na Escuridão”, almeja-se a inferência a Caverna de Platão. Longe, longe. “Tenet” é mais uma obra sobre o “paradoxo” do fanatismo patriótico de “fé cega” que encontra o “inexpugnável” do “Eldorado”. Se pararmos para pensar, os dois lados possuem réplicas e tréplicas suficientes para manter as ideologias de “consciências sensíveis” e imaginações das “realidades múltiplas”, estas como uma forma do ser humano encontrar a segunda chance. A impressão que se tem é a de que o roteiro foi escrito work in progress, improvisando no próprio ato das filmagens, em tentativas e erros com o objetivo contextual de equilibrar o “hipocentro” algorítmico à aceitação das sinapses já pré-domadas de sua audiência. Um filme que “viaja” demais, mas que “cumpre sua missão” de manter o espectador atento e tenso. Ainda que meramente casual, “Tenet” é acima de tudo uma sensorial e imagética experiência, e, que, deve ser assistido em uma tela grande e em Imax.