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Summer of Soul (…ou, Quando a Revolução Não Pôde Ser Televisionada)

As memórias de um registro histórico

Por Vitor Velloso

Oscar 2022

Summer of Soul (…ou, Quando a Revolução Não Pôde Ser Televisionada)

“Summer of Soul (…ou, Quando a Revolução Não Pôde Ser Televisionada)” chega como um dos favoritos a levar o prêmio de Melhor Documentário no Oscar 2022. O filme dirigido por Ahmir Questlove Thompson joga luz em um evento histórico que a mídia não televisionou e entrevista algumas pessoas que estiveram presentes e tiveram suas memórias negadas até então. Em um momento particularmente emblemático, um dos entrevistados diz “Eu não estava louco!”, se referindo aos momentos em que contava de suas lembranças para conhecidos e ninguém acreditava.

Assim, o projeto ambiciona trabalhar toda a imagem de arquivo encontrada do fatídico evento ocorrido no mesmo verão de Woodstock e organizar de maneira cronológica os acontecimentos, para que o espectador possa compreender a dimensão cultural e social do que a grande imprensa decidiu não televisionar. Figuras como Stevie Wonder, Sly & the Family Stone, Mahalia Jackson, Nina Simone, B. B. King e Mavis Staples, que participaram do evento, foram engolidas pela representação midiática da proposição de uma revolução pacífica de moral liberal em 69, o crítico de cinema Jairo Ferreira denunciava essa conotação em seus textos. Porém, “Summer of Soul (…ou, Quando a Revolução Não Pôde Ser Televisionada)” não é apenas importante no resgate do registro histórico, pois serve de estudo para a compreensão da ideologia que pairava naquele momento. Um exemplo disso é o discurso ovacionado à John Lindsay no palco, um notório Republicano, que depois viria a se filiar ao partido Democrata. Uma figura novelesca, altamente carismática, que foi oposição às medidas mais reacionárias de seu partido. Contudo, se a celebração deste evento único no Harlem conta com a presença dos Panteras Negras e falas sobre a opressão dos negros, costarriquenhos e outras comunidades massacradas pelo governo norte-americano, o registro também mostra uma fala que coloca John F. Kennedy, Martin Luther King Jr. e Malcom X na mesma chave, como mártires a serem lembrados.

Tal questão permanece em boa parte da projeção, diversas contradições políticas que podem ser interpretadas como “a manufatura da opinião pública através da ideologia”, como sintetiza Ludovico Silva em seu livro “Mais-Valia Ideológica”.

Ainda assim, se “Summer of Soul (…ou, Quando a Revolução Não Pôde Ser Televisionada)” consegue demonstrar a importância de seu arquivo, a montagem acaba tornando-se previsível ao organizar tudo com o clássico esquema das “cabeças falantes” (talking heads) e estruturando tudo como um grande programa musical para a televisão. Desta forma, o ritmo acaba sendo prejudicado pela cadência de imagens e entrevistas programadas para uma exposição pouco eficiente, onde a ordem formal é mostrar o ato e as reações, além da contextualização em breves falas dos entrevistados. Essa esquemática procura enaltecer o evento como um ato revolucionário, onde diversas mudanças culturais foram possíveis a partir do acontecimento, algo particularmente comum nas leituras contemporâneas que confundem a subversividade com a revolução. É a “resistência como um royalty” como Fabrício Cordeiro comentou certa vez em um bate-papo.

Entre os diversos méritos e uma série de deslizes que comprometem a experiência totalizante da obra, a sensação é que o documentário acaba se moldando para se encaixar nas premiações e garantir uma distribuição tranquila pelas redes de cinema e canais de televisão. Essa atitude pode ser benéfica para maior circulação do material, mas prejudica o filme. Assim, fica a torcida para que “Summer of Soul (…ou, Quando a Revolução Não Pôde Ser Televisionada)” não seja a única obra a se debruçar no arquivo de mais de 50 anos, dando espaço para que outros longas-metragens possam ser feitos, procurando uma abordagem menos programática e que consiga abordar o contexto político e cultural com maior rigor. Segue sendo um dos favoritos ao Oscar, mas isso demonstra uma fragilidade da Academia e não apenas mérito do filme de Questlove.

3 Nota do Crítico 5 1

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