St. Louis Superman
Calor da Rua
Por Jorge Cruz
Esqueça tudo o que foi dito contra “St. Louis Superman” em nosso podcast sobre os indicados ao Oscar 2020. Ao brincar dizendo que gostaríamos de ter outro filme no páreo, algum que pudéssemos ver com antecedência, poderia soar certa desvalorização à obra. Contudo, o documentário dirigido por Sami Khan e Smriti Mundhra talvez seja a única chance que a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas deu para que alguns debates urgentes dentro da comunidade de seu país sejam levados à cerimônia deste ano.
O documentário acompanha alguns dias na trajetória do deputado republicano Bruce Franks Jr. Um homem que carrega consigo suas vivências, seja na carreira de rapper ou no sofrimento de casos de violência policial de pessoas próximas. Conhecido pelos seus eleitores pelo apelido Superman, o símbolo que nos remete diretamente ao herói surge na tela após planos de seu gabinete que mostram objetos relacionados a Pantera Negra e Martin Luther King.
O objetivo de “St. Louis Superman” é bem claro: dizer que Franks Jr., como qualquer um de nós, é muito mais do que rótulos, títulos e, até mesmo, vivências. Importante agente do movimento Black Lives Matter, ele é um homem negro que testemunha ou sofre diretamente o racismo institucionalizado nas instituições legais e assecuratórias. Teve um irmão assassinado nos anos 1990 e foi baleado na perda com um tiro que ele não sabe de onde veio em 2004. Um legislador que encontrou no caminho da política a oportunidade de colocar em prática sua empatia automática com os anseios da população que defende.
Todavia, o que poderia ser um ponto de chegada é visto pelo protagonista do curta-metragem documentário como um momento de transição. O deputado não sairá das ruas, não se ausentará dos protestos e – como era de se esperar – de exercício seu ofício dentro da cultura hip-hop. Representando o Estado com o maior índice de letalidade pela polícia nos Estados Unidos, ele ainda precisará responder àqueles que o acusam de ser, de alguma maneira, cooptando pelo sistema por passar a exercer um cargo político.
Louvável a atuação de Bruce Franks Jr. em sua vida pública. De igual maneira é fundamental que a MTV, enquanto produtora de conteúdo, tenha apostado suas fichas em uma obra tão fundamental. O pouco tempo disponível de uma pessoa tão plural não permite que o filme contemple o tanto de experiência que merecemos testemunhar. O lamento e insatisfação do espectador do curta-metragem talvez seja o maior elogio a ser feito. Isto porque “St. Louis Superman” é rápido até demais. Mostra seu protagonista quase em modo introdutório. Em meio a tantos longas-metragens documentais que esticam ao máximo suas representações (esse ano “Indústria Americana” segue muito essa tendência e, em grau menor, “The Cave“), Bruce Franks Jr. merecia mais tempo em tela.
Mesmo assim, a visibilidade da obra é fundamental. Estar indicado ao Oscar (a torcida pessoal é a de que ele ganhe, mesmo gostando da poesia de “Walk Run Cha-Cha“) e poder contar a história de expoente atual das lutas pelos direitos civis aquece bastante o coração. Nesse contante processo de reverter apagamentos ao mesmo tempo em que se luta contra a invisibilizações social, os pouco mais de vinte minutos que nos conectam ao rapper, deputado, ativista social e o que mais ele quiser ser são desbravadores. No final, a lição que “St. Louis Superman” nos dá: há de se sentir o calor da rua.