Solteira Quase Surtando
Bia Contra o Mundo
Por Adriano Monteiro
A comédia brasileira já sofreu muita estigmatização da crítica ao longo do tempo. E não por menos. No entanto, das chanchadas aos Trapalhões passando pelas mais recentes comédias pastelões da Globo Filmes (em parceria com a Downtown) não resta dúvida da popularidade do gênero dentro de um público com pouco contato com outros da cinematografia brasileira. Um problema que parece ser menos relacionado ao espectador do que da desonesta distribuição do cinema nacional em seu próprio território. O divertido “Minha Mãe é Uma Peça 3” (2020) se tornou a maior bilheteria da história do país, deixando para atrás o duvidável lucro de “Nada a Perder – Contra Tudo, Por Todos” (2018) e o fenômeno “Tropa de Elite 2” (2010). Números que dariam inveja a “Bacurau” (2019), vencedor do Grande Prêmio do Júri do Festival de Cannes do ano passado.
“Solteira Quase Surtando”, de Caco Souza é um exemplo nato da comédia brasileira, que evoca elementos comuns ao gênero, atualizado com pautas importantes e “na moda”, como a emancipação feminina e a homossexualidade. O problema maior se encontra no amadorismo evidenciado na técnica e direção, que em roteiro de premissa duvidosa, escrito pela atriz principal Mina Nercessian, causa mais desconforto ainda. O resultado é uma corrida cansativa com o objetivo de tocar em muitos pontos sem se ater ao essencial drama da protagonista. Ao querer embarcar no melhor dos dois mundos, afunda o barco em um mar de inconsistências, difíceis de serem levadas a sério.
O enredo de “Solteira Quase Surtando” nasce com a jornada de Bia (Mina Nercessian). De início percebemos uma mulher emancipada, independente, empregada em uma grande empresa de publicidade e ainda aconselhada pelo amigo gay Raví (Leandro Lima), figura quase obrigatória nas comédias românticas. O ponto de virada se dá quando Bia descobre estar entrando em uma precoce menopausa. O roteiro começa a fragilizar, logo nesse primeiro momento, quando por quase nenhuma motivação a protagonista de 35 anos joga fora tudo o que sempre acreditou para aproveitar o período fértil e viver uma vida tradicional com filhos e marido. Falta sustentação e originalidade em história cercada por clichês do gênero, que ainda assim não divertem.
Entretanto, o maior problema dentro de uma estrutura já bastante frágil do longa-metragem é querer abraçar muitas subtramas, perdendo aprofundamento na principal. É o caso do casal homoafetivo inter-racial em busca de aceitação, formado por Raví e seu namorado de longa data interpretado por Lui Mendes; e também de Gabi, irmã de Bia, que descobre que seu casamento está indo para o buraco; sem contar a avó espírita caricata fazendo promessas e rezas para ajudar a neta a arrumar um marido. As cenas, paralelas à história principal, são carentes de cuidado quanto a edição e direção de atores. Um outro fator a ser levado em conta é a direção de arte sem personalidade e amadora, com cores vibrantes de gosto duvidável, que não consegue se comunicar com nenhum direcionamento narrativo ou estético muito claro. A fotografia também não surpreende, com muitos planos sem profundidade de campo e imagens nem um pouco memoráveis. Se o objetivo era parecer estéril, assim como a protagonista, acertaram.
É importante frisar também as piadas datadas e sem graça, ditas por personagens sem carisma em atuações forçadas. A protagonista tenta emplacar sua jornada em pequenos constrangimentos, que trasbordam à tela. Ainda assim, o longa-metragem consegue trazer algo de novo ao propor um final subversivo aos moldes tradicionais da comédia romântica, com um casamento gay da subtrama principal. Um ato corajoso, mas que Paulo Gustavo (mesmo sem beijo) ainda consegue fazer melhor. Falta convencimento da realidade de todos os personagens. Falta melhores referências. Falta verossimilhança. Falta quase tudo na urgência de querer ser tudo. O dilema do filme se transforma no retrato mais caricato de uma exigência do cinema contemporâneo em abraçar pautas de diversidade. Importantes, mas que não contribuem (diria que até prejudica) se abordadas com superficialidade.
Não é de todo ruim se o espectador busca se divertir sem preocupações. Mesmo havendo formas melhores de entretenimento e comédias brasileiras muito melhores nascendo por aí. Não chega a ser um desastre completo devido ao fôlego final, mas que carece de “cinema” no melhor sentido da palavra. O cuidado com a obra soa rasteiro. O resultado final é apressado e sufocado por muitas ideias. No meu esforço final de uma crítica justa, comparo o longa-metragem com o recompensador “Lola Contra o Mundo” (2012), de Daryl Wein e protagonizado por Greta Gerwig. Aqui há uma comédia romântica digna de pipoca, que consegue subverter sem forçar a tela do cinema, ao propor uma bela mensagem de emancipação. Substituiria “Solteira Quase Surtando” por “Bia Contra o Mundo”. Ou contra o público. Ou um surto coletivo, no pior dos sentidos.
Plataformas em que o filme estará disponível:
Claro Vídeo / Now: Aluguel R$ 14,90 Compa 29,90
Vivo Play: Aluguel R$ 14,90
iTunes / Apple TV: Aluguel R$ 14,90 Compra R$ 29,90
Google / YouTube: Compra R$ 19,90
Sky Play: Aluguel R$ 14,90