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Slalom – Até o Limite

Amadurecimento em superação

Por Fabricio Duque

Festival do Rio no Telecine

Slalom – Até o Limite

Selecionado à edição não acontecida de 2020 do Festival de Cannes, “Slalom – Até o Limite”, que está em exibição no especial Festival do Rio no Telecine, inicialmente pode soar como mais um filme de superação esportiva, em que a protagonista Lyz (a atriz Noée Abita) precisa ultrapassar os limites para vencer competições de esqui nos Alpes.  E ser reconhecida com a “compensação de dar duro”. Mas o verdadeiro propósito do arco dramático está relação com seu rígido técnico, que a impõe “treinos explosivos” – porque o “propósito é ir às Olimpíadas – à moda preparatória de “Whiplash: Em Busca da Perfeição”, de Damien Chazelle, por exemplo, no plano musical; e que a desestrutura com a falta de senso em lidar com suas emoções ainda não amadurecidas (“Todo mundo sente dor”, “Tem que continuar”), transpondo, inclusive, o polêmico limiar quando explicita o desejo.

“Slalom – Até o Limite” representa o novo realismo francês do cotidiano, que mescla na narrativa cortes-picotes ultra rápidos com uma edição tendenciosa à norteamericana (que por sua vez transforma o silêncio em intervalos de respiro e/ou direta demais na tradução do conceito – o beijo e a ereção explícita), principalmente pela sua construção estética (como as formas espectrais do início do filme), entre cenas típicas de uma competição (câmera que acompanha a velocidade da personagem) e os planos abertos mais contemplativos. De imediato, percebe-se que é uma obra com “cara” de Cannes. O tom naturalista-orgânico não se preocupa com a moralidade conservadora “politicamente incorreta” (do treinador homem avaliar sua atleta menor de idade sem a intervenção de uma mulher), tampouco com a iminente tensão sexual entre os dois (e as conversas sobre menstruação – “é algo bonito, cósmico e regula com a Lua”). Aqui, aos olhos acostumados dos franceses, o técnico Fred (o ator Jérémie Renier) é um combo: professor, pai, amante, tutor e supressor da ausência da mãe. “O que mais gostava na competição é que você está prestes a cair de um abismo; corpo e velocidade, uma coisa só”, diz o técnico a sua “protegida”.

Lyz é levada a uma avalanche de emoções, pressões, descobertas e sentimentos controversos, ainda inéditos. E assim busca absorver todas as novidades, extrapolando os limites do treino (“um foguete”) com os da própria transformação, chegando às raias da loucura em busca da perfeição equilibrada, bem aos moldes de “Cisne Negro”, de Darren Aronofsky. Só que a competidora possui uma maestria: a destreza perspicaz, ainda que compita “sem medo e com fome demais de ganhar”. De vivenciar plenamente, mas com a palavra de segurança para voltar à normalidade. “Slalom – Até o Limite” também pode ser traduzido como o novo feminismo do dizer não a relações  co-dependentes, possessivas, obsessivas (de ambos os lados), abusivas, de poder e que se retroalimentam do caos. Todo essa garra desentendida é alimentada pelas sugestivas inclinações. Contudo, quando o limite é ultrapassado, não há mais volta. Uma única ação impulsiva muda todo o destino e quereres-importâncias fundamentais.   

Por mais que “Slalom – Até o Limite” se esforce em quebrar as barreiras “ziguezagues” da narrativa convencional, com suas investidas estéticas, questionamentos morais e maior realismo nas ações, ainda assim mantém gatilhos aprisionados em uma zona de conforto criativa, como inserir cenas soltas, a do carro na estrada, por exemplo, e/ou o “baseado da mãe” e/ou a briga na neve. Toda essa “solução” mais aberta e blasé só serve para distanciar o público da imersão que o próprio filme construiu logo no início. Sim, este longa-metragem também é um filme de ator. As expressões-reações interpretativos são as chaves situacionais do direcionamento temático. Noée Abita (de “Um Banho de Vida”) segura a responsabilidade de nivelar o tom com Jérémie Renier (de “O Amante Duplo”, “O Pornografo”, “A Criança”). Há entre os dois uma cumplicidade desafiadora do ir além. De extrapolar os limites da própria ficção com a mais pura verdade-credibilidade. Sua realizadora Charlène Favier (estreante  na direção de um longa-metragem), no entanto, recebe a carga catártica e a poda com a facilidade de uma montagem mais palatável, ainda que realmente busque a impossível e eterna utopia de agradar e de se conjugar gregos, troianos, americanos e franceses. “Slalom – Até o Limite” não é um filme descartável. Muito pelo contrário. Sua força-maestria está nas entrelinhas, em seus desdobramentos, em suas questões de atravessamentos morais. Mas só faltou à diretora  ter mais “fome” e ultrapassar seus próprios limites “sem medo”.

3 Nota do Crítico 5 1

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