Showing Up
Alma hipster, velhas questões
Por Fabricio Duque
Durante o Festival de Cannes 2022
Uma das essências que a realizadora norteamericana Kelly Reichardt imprime em suas obras é a observação minimalista de intimidades. Ela quer abordar o que está escondido no micro, este tratado como um estudo de caso ao macro, o social. “Showing Up”, exibido na mostra competitiva do Festival de Cannes 2022, não poderia ser diferente e mantém esse olhar não explícito – muito, pelo contrário, sútil – das transformações comportamentais que germinam pelos interiores, especialmente pela câmera da diretora, cujos movimentos almejam personificar em realidade cotidiana a invisibilidade atmosférica. Aqui, o filme esvazia a percepção emocional do espectador, o dotando de pragmatismo sentimental, a preparação de uma corda para enforcamento, por exemplo, vista por uma vizinha. Mas a finalidade sugestiva é diferente.
E, assim, nós percebemos que seremos confundidos na narrativa de “Showing Up”. Cuidado, Kelly! A trama nos conduz pelo universo do mundo da arte, dos livros, das pinturas nas paredes, de paradoxais e contraditórios hippies modernos com “dias de folga”, mise-èn-scene essa, à luz de uma fotografia (de objetivo atemporal), que busca semelhanças a seu filme anterior “First Cow” e ao longa-metragem “A Lula e a Baleia” (2005), de Noah Baumbach. A realizadora nascida em Miami, Flórida, muda o tom intimista de suas obras antecedentes e resolve criar o superficial em situações que o humor é forçado e anti-naturalista, entre pombos “poderosos” e passividades. “Showing Up” quer o coloquialismo da vida acontecendo, de fluxo natural, mas o que consegue é o teatro, soando amador, caseiro e sem acabamento. “Poesia é a voz da terra”, sim, há também frases de poesia pronta.
“Showing Up” molda sua personagem (interpretada pela atriz Michelle Williams), uma escultora que prepara sua nova obra, com memórias, excentricidades, idiossincrasia sistemática e com galerias de Nova York. Talvez, neste, Kelly descobre que na verdade, que em mais fundo de seu íntimo, deseja mesmo não ser tão underground assim. Acredita agora que seus filmes, que sempre estiveram categorizados como ficções hipster e independentes da vida real, com “cara” de integrantes de Festivais, como New York, Tribeca, podem subir degraus, ainda que sejam ambientados na liberdade da construção artística. Ou não. Ou talvez se finalizem como um básico vaso de porcelana vendido em uma das feiras do Brooklyn. “Showing Up” não é ruim, tampouco desinteressante, é apenas comum. Sua estrutura de novela à moda de James Gray em núcleos conectados potencializa a força dos diálogos escritos do roteiro e não sua verdade emanada. A encenação (a sensação das frases lidas e a “pegada” de comédia desconfortável internalizada) é propositalmente explícita, para que as palavras pululem mais que emoções, vazias, distantes e desconexas com quem assiste. Só que esse artifício blasé, de tão usado, se tornou quase um clichê, especialmente quando padroniza estranhas e particulares estranhezas comportamentais.
“Showing Up”, como foi dito, comporta-se como uma fábula existencialista, de aprendizado e (re)amadurecimento, por complicadas transições sociais em ressentimentos hesitados, entre a apatia e a bipolaridade do humor. E sim, traz todo a característica neo-hipster “descolada” desse novíssimo cinema Indie norteamericano, que é contrariar as convenções sociais; resgatar o mais básico das diversões; e se importar acessórios antigos, juntando o moderno e o vintage. Mas “Showing Up” ainda que com essa alma imbuída em sua construção contraditoriamente padroniza o que deveria ser inovador, muito talvez pela necessidade de se manter incluído e aceito no próprio novo e nessa nova sociedade. E a obra, ultrapassada, dentro de uma atemporalidade datada. Sem se mostrar.