Sequizágua
Estoicidade Temporal no Cinema Potente
Por Vitor Velloso
Crítico convidado pela Mostra de Tiradentes 2020
Com roteiro de Affonso Uchôa (“Arábia”, “A Vizinhança do Tigre”), “Sequizágua” é um projeto que transpira suas influências contemporâneas. Toda a tendência temática que vem sendo construída na carreira do diretor encontra essa verve de deixar que a narrativa se desenvolva diante das câmeras, permitindo que o tempo seja dilatado enquanto o progresso dramático e social ache seus caminhos. As maiores forças de seus filmes vêm dessa necessidade de compreender aqueles corpos como uma possibilidade que dispõe do texto como uma ferramenta de auxílio para o enfrentamento social que está ali disposto.
Dirigido por Maurício Rezende, o longa-metragem segue a cartilha de seu roteirista e não se distancia muito dos outros projetos citados acima, logo, é fácil definir o público que irá ter uma experiência positiva com o filme, eis que dependerá da relação com essa carreira anterior. Sendo assim, longos planos, câmera parada, aquela necessidade homérica de se deslocar de uma determinada zona de conforto (e todos os conflitos dramáticos que são explorados) estão presentes. Porém, aqui há um confronto geracional que usa o eixo de diferentes olhares sobre uma mesma situação, que neste caso a obra gira em torno de famílias que moram numa área agro-extrativista, sofrendo com a falta de chuva. Então, a geração mais velha tenta passar todo o conhecimento que possui aos mais novos, que por sua vez vislumbram novas oportunidades e uma necessidade de deslocamento maior, na cidade.
Funcionando parcialmente com essa urgência dos jovens, “Sequizágua” constrói sua narrativa com a lentidão corriqueira de Uchôa, transitando seus dramas entre a estoicidade temporal do espaço filmado. Essa questão geracional é explorada com uma paciência ímpar, remontando lentamente uma estrutura própria que funciona em uma unidade formal igualmente particular. Então, ainda que não cative todos seus espectadores, consegue deixar claro os atos singelos do Homem com a terra e dos mesmos com seus filhos, transmitindo essa carga visceral de conhecimento entre as passagens temporais daqueles que crescem da terra. Sem problematizar a escolha daqueles que ali estão, o respeito que há em formar sua trajetória através dessa fuga situacional a fim de uma vida que diferencie essa historicidade familiar, transforma a obra num ode a mutabilidade quase sazonal dos jovens contemporâneos. Mas faz com tamanha consciência tal retrato, que consegue compreender tal situação não como um fenômeno, mas sim uma constante que flerta com ciclos longínquos de lógica libertária, algo que pode aproximá-lo de “Então, Morei” de Bia Lessa, por recontar em indivíduos uma coletividade tamanha que equaliza todas aquelas vidas, ainda que as diferencie em opiniões e atitudes.
Os pontos que a obra trata com essa coesão quase anciã, de como determinadas relações são construídas, acabam expondo as necessidades estruturais do projeto de concebê-las diante da câmera, seja em tom quase expiatório, seja na manutenção das burocratizações dramáticas que são implementadas ao longo de “Sequizágua”. Nessa postura de fixar essa passagem de forma simplista, mas sem compreender as formalidades que são construídas dentro deste espaço, o filme acaba reconhecendo uma inabilidade de dialogar com tais espacializações como uma ferramenta que acrescenta à narrativa uma viralização dessa misancene (tal qual Glauber Rocha nos ensinou) que ocupa uma volatilidade quase inconsequente de suas atitudes, tendo como ponto de vista o firmamento da direção diante de todas aquelas histórias. Em completa consonância com um ideal político e de linguagem cinematográfica dos projetos do Uchôa, o longa-metragem em questão vem como um respiro regional que sente esse deslocamento temporal e de situação social que acaba viabilizando uma fluidez longínqua da vulnerabilidade de suas narrativas, em especial, de seus personagens que centralizam todas as questões abordadas pelo projeto, em um único corpo.
“Sequizágua” é um projeto que se diferencia de outros por abaixar suas pretensões sensíveis a consciência de como se relaciona o tempo do longa-metragem com o tempo daquele local em específico, mas tais características apresentam as fragilidades desse tipo de proposição excessivamente naturalista, que parece conceber cada fragmento seu como uma representação tardia e burocrática de uma realidade que dispensa rodeios acerca de seus assuntos. Por isso, assim como diversos projetos coletivos que vêm sendo apresentados e aplaudidos através das exibições em festivais, não há nada que consiga furar uma bulha de exibição e produção para que seu nome seja escrito na História do Cinema Brasileiro.