Sem Perdão
A redenção do nada
Por Vitor Velloso
Cinema Virtual
O perdão enquanto prática moral-religiosa pode ser compreendido através dos dogmas de “valores” transmitidos pela instituição, mas quando ele se transforma em uma simplificação de redenção, excluindo aquilo a valoração da fé, o campo da psicologia entra com a sola, para que seja debatida uma significação da perda e despedida.
Sarik Andreasyan, que assina a direção, não consegue caminhar para nenhum dos lados, mas sem dúvida está excessivamente apegado à religiosidade desse perdão. O problema aqui se encontra em uma campo da estrutura, em uma perda absoluta de sentido diante da própria proposta da longa, onde o maniqueísmo sentimentalista reina enquanto olhar cínico da questão aqui exposta. Não se trata de uma regularização da morte, como em projetos de desastres aéreos, muito menos uma crítica direta ao capital, que sempre está transformando as vidas em números, seja em desastres como Brumadinho, ou mesmo o incêndio no Ninho do Urubu.
E ainda que seja apresentada essa verve violenta do capitalismo, “Sem Perdão” é incapaz de trabalhar suas temáticas, não à toa, trabalha no campo da exposição. Os diálogos são cíclicos e expositivos, para que haja uma compreensão incisiva daquilo que se propõe, nada pode ser trabalhado no campo dialético. Nenhum axioma pode ser proposto, nem mesmo na psique de um personagem com campo fértil. O jogo formal é tacanho, compreendendo em si apenas aquilo que diz respeito à manipulação dos sentimentos do espectador. Tudo mira ao choro, a tristeza, ao sofrimento. É uma espécie de voyeurismo dessa solidão e dessa dor, pois não se avança em nada, tudo está estagnado no mesmo campo monotonal desde o início.
Temos o arquétipo da linguagem: um plano aberto, closes, plano e contraplano, a reação, a exposição, próxima cena. Tudo se resolve dentro de um esquema barato, indo diretamente aos dados clínicos de uma (in)resolução. As relações políticas e econômicas diante da tragédia, são abolidas, as conclusões devem ser retiradas no âmbito humano, natural, de um perdão inócuo, desprovido de qualquer substância. Ora, nem mesmo essa perda o longa consegue trabalhar. Ainda que não compreenda suas relações econômicas e sociais diretas, como Projeto Flórida (2017), também não enxerga a análise psicológica de um A Ghost Story (2017).
Esses são, claro, exemplos de uma indústria norte-americana, pois é onde “Sem Perdão” está mirando, para o comercial industrial, de fácil disseminação no mercado. E ainda que seja um produto barato, consegue uma distribuição por streaming em uma janela como o Brasil.
Onde poderíamos ao menos debater algum caráter dos movimentos de câmera quase ortodoxos, querendo conceber um classicismo canhestro, devemos nos atentar à padronização dessa linguagem. Que apenas é exposta como uma relevância externa à construção dramática, nunca como parte da mesma, ou seja, transforma a experiência em uma fetichização desse maniqueísmo direto do Sarik Andreasyan, diretor de atrocidades anteriores como “O Último Golpe” (2014), onde demonstra seu fascínio pelo imperialismo cultural, e “Os Guardiões” (2017), que tenta reproduzir o mesmo na própria cultura. Ou seja, o diretor é um agente direto do conluio imperialista, onde não enxerga no próprio ofício qualquer vertente diferente do agente de segurança dos “bons modos” e da indústria.
Entre comédias, heróis e a colonização dada, o diretor é projetado para o mercado internacional como um representante do cinema comercial russo. Se este for o caso, o país atravessa um momento cultural grave. Ainda que aqui não seja o melhor espaço para se debater política em um campo mais amplo e menos reducionista, é possível dizer que dá para imaginar um caráter diferente do mercado local, ainda que Putin seja um paradoxo mais complexo que parece.
Mirando à redenção e acertando a paciência, “Sem Perdão” desliza em tudo que tenta fazer. Até seu maniqueísmo dado, de véspera, acaba perdendo força pela falta de organização na estrutura das ideias. Tudo fica solto em uma exposição superficial de uma problemática maior, não consegue nem trabalhar as questões particulares de sua trama e cai no limbo da esquematização industrial. É mais uma obra para que possamos debater qual a proposta de uma distribuidora virtual no cenário brasileiro. São apenas projetos abandonados? Pois, lançar isso e “Cidade Sob Ameaça” na mesma semana, é de testar a paciência de qualquer um.