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Sars-CoV-2: O Tempo da Pandemia

Ou como decidi lavar minha alma

Por Ciro Araujo

Durante a Mostra de SP 2021

Sars-CoV-2: O Tempo da Pandemia

Nessa bagunça política atual, algo que chama a atenção é como diversas instituições entram no miolo para tirar alguma casquinha ou ao menos procurar impôr como marca sua responsabilidade social. Em “Sars-CoV-2: O Tempo da Pandemia”, o Itaú Unibanco (ou só Itaú, para os mais próximos), decidiu aplicar o conceito e conversar abertamente sobre os problemas gerados durante a pandemia e o que a instituição procurou fazer. E bem, calhou aos cineastas Lauro Escorel e Eduardo Escorel implementarem um conceito de respeitar a ciência e seus doutores. O resultado é o de um marketing descabido que perpetua através da morte de milhares e uma tentativa pura de relativizar a culpa.

O trabalho através do que é uma longa uma hora e vinte e dois minutos é básico, no máximo. Os cineastas Escorel se sentam, colocam a câmera, filmam diversos médicos, todos sentados da forma mais confortável possível. Luzes entrepostas, um azul chamariz para completar a fotografia. E aí começa o espetáculo. Em um modelo quase de coach explicando como a instituição financeira já mencionada contribuiu para um programa, “Sars-CoV-2: O Tempo da Pandemia” decide antecipar e assumir os problemas que a medicina brasileira teve para assumir um modelo pandêmico, mas não antes do filme permitir um lugar de fala manipulador. Em certa cena, assumem que o Coronavírus era uma doença pouco previsível. Quando o espaço fílmico insere algo assim, assume-se um caráter de relativização, portanto. Esquece-se que houve avisos de meses antes sobre a possibilidade crescente de pandemia, que atingiu dois continentes previamente. Quando se nota o tom institucional do vídeo, é possível então concluir que politicamente este filme é uma lavação de alma, especialmente para justamente o recorte que os diretores-irmãos procuram.

E é assim que o longa-metragem se monta: cortes e entrecortes de gente sentada, se vangloriando de como juntaram os poderes financeiros para salvarem vidas. Talvez como obra tenha uma importância estética porque assimila muito à um positivismo as vezes enxergado até no “outro lado”, isto é, em discursos negacionistas. É claro, comparar é uma baita forçada de barra; Chega a ser canalha. Mas existe um apelo tão parecido, um sabor e cheiro “empresariado” tão forte. Ironicamente, o grupo negacionista “Médicos pela Vida” possui um nome confundível com o grupo que é alvo do filme: “Todos pela Saúde”. A comparação chula porém se dá apenas graças à própria montagem e série de entrevistas que carecem de real problematização desse momento. O uso da palavra desafio pelos próprios médicos, por exemplo, é uma péssima e indelicada forma de endereçar a pandemia. Típica, claro, de algo produzido com um fim bem objetivo.

Para tanto, existe uma visão muito irônica em “Sars-CoV-2: O Tempo da Pandemia”. Durante praticamente toda sua duração são entrevistados indivíduos que tem a própria cabeça circulada em uma visão da região Sudeste do país. É no mínimo curioso em como tratam o episódio desesperador e irresponsável do colapso do sistema público de saúde. No roteiro do filme, apresentam uma forte vontade dos próprios patrocinados pelo Itaú Unibanco de salvarem ou ao menos estarem presentes na questão. Ao menos, admitem e demonstram uma noção da atualidade brasileira, em especial da própria prioridade da comunicação como necessidade para o desenvolvimento da saúde pública.

De qualquer forma, Lauro e Eduardo realizam aqui um filme no mínimo chato. Não são criativos na montagem, inserem imagens pobres de drones – aparentemente, todo documentário contemporâneo precisa de um – e se mistura muito mais com um marketing para atualizar qualquer (potencial) investidor que perde o próprio sentido. O longa-metragem atua mais em benefício dele próprio que ao exterior, transformando em um oportunismo macabro que não adiciona a nada. Tudo nele é uma antítese do fascínio e serve como impotência para comunicar sobre a própria necessidade da ciência em tempos tão escuros como hoje. Personagens como Dráuzio Varella, que por muitas vezes é respeitado indiscutivelmente, está apagado e muito contribui para absolutamente nada. A dúvida para aqueles que assistem é se o que vão assistir é cinema ou só uma máquina. Mas bem, se tanto filme de herói é, porquê não esse? A escrita do texto aqui então cria ao menos uma indagação sobre a própria definição de cinema que este documentário cria. Talvez ele tenha mais algum valor, afinal.

1 Nota do Crítico 5 1

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