Samsara – A Jornada da Alma
Meditação, sonho, morte e vida através do cinema
Por Paula Hong
Vida e morte são tópicos de discussão e reflexão que permeiam a humanidade, tornando-se temas recorrentes em diversas esferas de criações artísticas. No cinema, filmes como “Amor além da vida” (1998), “Cidades dos anjos” (1998), “A partida” (2008), “Um olhar do paraíso” (2009) e “Nove dias” (2020), para citar alguns, tratam dos dois espectros ora como opostos, ora como complementares indissociáveis por intermédio das ferramentas que gêneros narrativos como ficção científica e drama fornecem.
Em “Samsara – A Jornada da Alma”, Lois Patiño (conhecido por “Lúa vermella”) estabelece, na primeira parte do filme, uma discussão sobre o temário pela perspectiva budista. A continuação da existência pela encarnação é precedida por uma preparação que acontece sobretudo pela sensorialidade — algo que, mais tarde na obra, somos convidados a experienciar. Nos templos e nas áreas residenciais do Laos, localizados numa área predominante pela natureza, os ensinamentos do livro Bardo Thodol, o livro tibetano dos mortos, guiam e preparam (nome da senhora) para o processo de encarnação. Nas suas últimas semanas de vida, esse processo é facilitado por Amid, um adolescente que lê o livro para ela. Ele expande o que aprende das leituras quando convive com alguns monges locais.
A fotografia trabalha de modo que dê conta de visualmente expressar os ensinamentos do livro, como quando a senhora menciona que tudo emana luz; sendo azul, verde e vermelho cores principais, e primárias desse indicativo de vida em tudo que nos rodeia cotidianamente. Assim, o diretor não esconde a escolha por realçar essas cores, suas variações e outras cores vibrantes aos olhos, como laranja e rosa. Em cima dessa cadeia de vínculos acentuados pela luz, a percepção e recepção do que compõe a vida é apresentada com a roupagem da perspectiva budista, de modo que passamos a enxergar como os liames da vida — em diversas dimensões, funcionalidades e importância — estão interligados dentro da organicidade no trânsito de vida, morte e a escala cinza presente entre os dois extremos.
Um exemplo disso é quando a senhora, no processo de partida, agradece a cadeira na qual sentava em frente à penteadeira, quando agradece a cama, a mesa que serviu de apoio para várias atividades, enfim, objetos tidos como inanimados mas que, para ela, dentro da visão budista, têm influência e importância em sua jornada, com a possibilidade de reencontro em outro espaço-tempo, através da encarnação.
À essa altura, “Samsara – A Jornada da Alma” demarca a transição para a segunda parte do filme por intermédio da experiência sensorial da encarnação dela, um tipo de morrer e voltar à vida através do cinema. Aprendemos que ela retorna ao mundo no corpo de uma cabra, em Zanzibar, na Tanzânia, onde o islã é a religião predominante. A ilha, por si só remota, apresenta cotidianos mais movimentados, sobretudo por incluir interações de crianças na escola, em casa, nos momentos de lazer. Há mais diálogos embora a presença deles seja, como um todo ao longo do filme, mais ausente.
Talvez um dos aspectos mais notáveis de “Samsara – A Jornada da Alma” está na escolha de espacialidades mais amplas, envoltas pela forte presença da natureza, da água dos rios e do oceano, da praia; essa fluidez de transitoriedade terrestre tanto pela maleabilidade da água e da solidez da terra, das rochas, das montanhas, da areia, e como essas relações são transpostas para a tela.
O interesse de Patiño em retratar essas grandes questões sem resposta definitiva é, a princípio, calcado no atrativo que uma perspectiva não-branca e não ocidental oferece. Em contrapartida, a execução estética do interesse aterrissa naquilo que provavelmente tentou evitar: simplificação exotizada de perspectivas culturais e religiosas. Em vários momentos, o filme beira a um exercício antropológico de capturar vivências pouco conhecidas, mas ao mesmo tempo elas parecem imaginadas ou sonhadas.
As escolhas do que mostrar parecem querer acentuar as excentricidades dessas vivências, com um afastamento deliberado na intenção de deixar um cotidiano fabricado falar por si só. No entanto, o experimentalismo de Patiño dessa combinação abre vazios a serem preenchidos pelo imaginário que talvez careça de maior sensibilidade que a sensorialidade construída e fornecida pelo seu filme. Esta, por sua vez, não sustenta a responsabilidade que o diretor toma para si ao abarcar dois modos prevalentes pela lente religiosa e cultural de enxergar o tempo em vida, e a preparação para o inevitável — a morte.