Robô Selvagem
Programação e gentileza
Por Letícia Negreiros
O descobrir de um mundo desconhecido é sempre extraordinário. Extremamente confuso e desafiador, muitas vezes encaramos o novo com acanhamento. Chris Sanders, ao nos apresentar Rozzum 7134 em “Robô Selvagem”, substitui a vergonha pela inocência. Desbravando a pequena ilha na qual foi parar por um infortúnio do destino, Roz – como passa a ser chamada – encara o ambiente ao seu redor com a pureza de uma criança que aprende a andar. É, de fato, como se estivesse redescobrindo o caminhar. Ali sua programação não lhe vale de nada.
Roz depende de ordens para funcionar. É um robô programado para servir e satisfazer. Numa ilha desabitada por humanos, se vê desorientado, sem saber como proceder. Se adaptar ao novo lar é uma tarefa caótica. “Robô Selvagem” nos coloca diante da programação do robô, a bússola de suas ações. Em contraste, é oferecido o instinto. Os animais são imprevisíveis, hostis com a criatura estranha e tecnológica que chamam de monstro.
A ignorância do robô, muito relacionada à inocência com que vê o novo ambiente e seus habitantes peculiares, contraposta à agressividade dos animais, é agoniante. Como uma invenção de alta tecnologia poderia não saber dos perigos de se enfrentar um urso? Mas não está em sua programação. Assim como parar e dialogar não está nos instintos do urso. Sanders posiciona o instinto e a programação como dois extremos de um mesmo espectro. Ambos acabam por se unir quando Roz finalmente recebe uma tarefa: cuidar do filhote de ganso que – literalmente – caiu em seu colo. Até então o robô não inspirava muita empatia e identificação. Isso não necessariamente configura um problema. Ele e o animal crescem na troca e no contato com o outro. A virada de comoção é justamente a chegada da ave. Órfão, vê na máquina a figura de sua mãe e é adotado por ela.
Somos, então, posicionados frente e a frente com outra dicotomia, ou talvez uma outra versão da dualidade programação e instinto: gentileza e sobrevivência. Ao cuidar do filhote, batizado de Brightbill, Roz passa a ver o mundo de uma forma completamente nova. Mudando sua programação, exige de seu meio uma delicadeza que não pode ser atendida naquele momento. O ambiente, porém, não espera ou se adapta por ninguém.
Sanders, que já tem prática em construir comoventes narrativas familiares, encabeçando projetos como “Lilo & Stitch” (2002) e “Como Treinar o Seu Dragão” (2010), nos lembra novamente que família é algo que se constrói. Amor e respeito são cultivados e carinho não é restrito ao sangue e, no caso de “Robô Selvagem”, espécie. O longa nos insere em um contexto no qual esse laço familiar se torna sinônimo de sobrevivência. Ao final, o diretor prova que instinto, programação, gentileza e sobrevivência podem, sim, significar a mesma coisa.
Muito belo e um tanto comovente, o longa é um por vezes enfadonho em seus primeiros momentos. Acredito que parte da impressão venha justamente da frieza com que nos relacionamos com Roz nesse instante do longa. Mesmo assim, após a chegada do filhote, não há uma melhora muito significativa. Há um crescimento na emoção e no interesse, mas não alcançando grandes picos. Não é uma narrativa hipnótica, mas ainda é uma história com algo a dizer.
Nesta temporada de premiações, “Robô Selvagem” recebeu 10 indicações na 52ª edição do Annie Awards, dentre elas Melhor Animação, Melhor Direção e Melhor Dublagem. Lupita Nyong’o e Kit Connor sendo os destaques da última categoria pela dublagem de Roz e de Brightbill, respectivamente. Os vencedores desta edição serão anunciados no dia 8 de fevereiro desse ano. No Oscar está concorrendo na categoria de Melhor Animação, disputando com “Flow” (2024) e “DivertidaMente 2“(2024).
Sanders nos presenteia com um belo recorte dos seus padrões familiares: pessoas aleatórias que, por alguma ironia ou artimanha do destino, passam a ser profundamente queridas e importantíssimas para nós. Como frequentemente provou em sua filmografia, nem mesmo precisam ser pessoas. É belo, mas não traz planos marcantes ou momentos de destaque, que ficarão na cabeça por muito tempo. Apesar da construção devagar, traz emoção na medida certa e nos lembra de detalhes importantes da vida. “Robô Selvagem” teve sua estreia em terras brasileiras no dia 10 de outubro do ano passado e atualmente se encontra disponível em plataformas de streaming.