Rivais
Desejo pela performance
Por Vitor Velloso
É curioso notar como Luca Guadagnino consegue trabalhar em seus filmes com níveis diferentes de temáticas em suas obras, sendo capaz de fazer um “filme de desejo”, ao mesmo tempo que um trabalho que se ancora no processo de amadurecimento de seu protagonista, como em “Me Chame Pelo Seu Nome” (2017). Ou quando fazia um remake do clássico “Suspiria” (2018), funcionando tanto como um filme de terror quanto uma obra sobre dança e performance. Em “Rivais” o diretor compõe um trabalho que discute tanto o desejo quanto uma relação direta entre a performance deste desejo representado no esporte do tênis, em uma dialética que demonstra um profundo interesse no elemento humano e pouco na parte desportiva. É necessário esclarecer que o termo “performance” aqui ele tem duas significações dentro da obra, a de performance enquanto construção de uma característica e forma de representação, quanto performance esportiva e essa ambiguidade compõe um dos fatores mais interessantes da proposta narrativa do filme.
De alguma forma, é possível pensar em “Rivais” como um filme cheio de energia para expôr as relações e os desejos como forças incontroláveis de seus personagens, ainda que exista um recurso narrativo particularmente burocrático, que acaba interrompendo com frequência a progressão dos sentimentos, o flashback. Talvez seja contraditório afirmar que o flashback enfraqueça o filme, já que a obra é majoritariamente construída por ele, mas a constante fragmentação do fluxo narrativo, expõe uma característica desagradável do longa, a necessidade constante de trabalhar com duas frentes diferentes de desenvolvimento, uma de geração de expectativa a partir das informações que previamente oferecidas aos espectadores, e outra de expôr os acontecimentos do passado para o público. Essa duplicidade nas formas de representação da narrativa, transforma o filme de maneira sensível em um drama de tensões sexuais constantes, onde o desejo se projeta na partida de tênis, que pode soar artificial para algumas pessoas, mas que não se propõe a trabalhar na compreensão da partida em sua totalidade, e sim nos elementos dramáticos que estão compondo a cena. Por essa razão, o flashback quebra tanto a crescente das tensões, sejam elas sexuais ou dramáticas, servindo normalmente para adicionar um novo elemento na trama.
Por exemplo, o gesto de Patrick (Josh O’Connor) ao manusear a bola antes do saque, que tem uma função narrativa bastante decisiva ao longo da projeção, especialmente nos minutos finais, e que é introduzido ao longo desses flashbacks. Nesse sentido, “Rivais” é bastante eficaz em absorver seus diversos elementos para construir a obra, sem falhar em compreender tanto o desejo quanto a ambição de cada personagem, em medidas distintas. A obsessão de Tashi (Zendaya) com o esporte e a performance, a insegurança de Art (Mike Faist) com sua performance e com seus sentimentos. E talvez essa seja uma das conexões possíveis de se pensar entre os três personagens que costuram o triângulo de desejo/tesão, a perda de controle frequente e a frustração no pós-conquista. Por essa razão, o pôster é bastante didático em mostrar que a figura central do longa é Tashi, mas a relação mais trabalhada é entre Art e Patrick, como um sedutor jogo de descobertas constantes, frustrações no relacionamento e um caráter de competitividade entre eles como uma forma de negar as tensões sexuais existentes entre eles.
Os minutos finais são particularmente tensos do ponto de vista dramático, pois já apresentados todos os elementos que compõem a história, o espectador se vê diante de um desfecho que torna impossível uma saída saudável para os três personagens, como uma espécie de tragédia anunciada. Por mais que a quebra de ritmo seja frequente em “Rivais” seus elementos são tão bem construídos que torna compreensível a escolha de burocratizar suas exposições na intenção de chegar a um clímax, e início, realmente marcado pela impossibilidade de curar as relações. Existe um elemento que é bastante óbvio e previsível, mas que não perde sua força quando utilizado e a construção final da partida de tênis, do ponto de vista da decupagem, é bastante eficiente em solucionar as questões dramáticas que o diretor apresenta ao longo do filme, mesmo que o plano final seja um tanto quanto hiperbólico, quase deselegante. Luca Guadagnino volta a trabalhar em eixos diferentes de suas temáticas e volta a ser feliz em complexificar seus personagens em dramas a partir de uma possível obsessão cinematográfica, o desejo, aqui, confundindo-se com tesão e performance.