Ricos de Amor
Ricos Atacam a Riqueza
Por Daniel Guimarães
Netflix
A expansão dos meios de comunicação, em teoria, possuía o poder de gerar uma abertura para que discussões de cunho social fossem em direção a uma popularização. Isto é, a difusão de ideias que sempre estiveram em ambientes acadêmicos ou elitistas encontrariam possibilidades de serem transmitidas com uma nova articulação de linguagem. Poderia lançar-se propostas de uma sociedade mais humana e igualitária e nível popular e com inovação no formato que se passa a mensagem. Embora parte disso ocorra em uma escala pequena, parece ser inerente a parte da classe média “esclarecida” (de esquerda), a banalização de temas complexos, transformados em discursos simplistas que os glorificam moralmente, como os corretos. Isto, claro, resvala em obras artísticas. Alguns autores parecem entender que basta expor banalidades na fala de personagens que fará uma obra de caráter social. Um dos infinitos resultados é “Ricos de Amor”, obra que, completamente deslocado do espaço e dos temas que explora, além do próprio país e sua população, repete jargões de uma esquerda moralista e arrogante.
Dirigido por Bruno Garotti (Tudo por um Pop Star, Cinderela Pop), “Ricos de Amor” conta a história de Teto (Danilo Mesquita), fútil filho de um rico comerciante de tomates que se apaixona por Paula (Giovanna Lancellotti). Ele, então, decide fingir não possuir dinheiro ou seu berço de ouro para conquistá-la, ao mesmo tempo que busca conseguir uma vaga na empresa do pai não por influência, mas por mérito próprio. A clara intenção da obra é conciliar uma comédia romântica com uma crítica de classes. O resultado soa como os piores e mais banais comentários que surgem nas redes sociais. Logo em seu começo, há uma cena onde três estudantes de medicina, curso universitário dos mais elitizados, tanto em faculdades públicas quanto privadas, irão rir, de dentro de um ônibus, do “playboy” que passa em velocidade alta em um carro de luxo na avenida. Assim como em outro momento proclamará sobre a fome e o desperdício no mundo em uma festa em que se arremessa tomates uns nos outros. O distanciamento do tema tratado é aberrante.
Recentemente, Bong Joon-Ho demonstrou perfeitamente que, para articular um ambiente de disputa de classes, uma obra cinematográfica possui um potencial enorme de utilização de sua linguagem. “Parasita” mescla gêneros em uma unidade temática e narrativa, em um ótimo exemplo de construção de universos e temas. “Ricos de Amor” se encontra no espectro oposto, visto que não há um ambiente, espaço, plano, ou articulação sequer que indique que a direção possui um norte sobre o assunto. Luxo, meritocracia, privilégios, racismo, machismo, assédio e classe são todos temas atirados em uma grande alienação que é a visão de Brasil de uma elite que acredita ser“moralmente superior”.
Nesta realidade, o funk ainda é ainda uma exclusividade da favela, o rico playboy pode ser “corrigido” e se tornar um salvador de comunidades pobres, a médica branca e loira irá ser a maior fibra em luta de igualdade e defesa da justiça e o protagonista heroicamente irá a cavalos atravessar o grande perigo da favela e salvar sua moradora, em uma crítica feroz ao olhar preconceituoso que impera sobre os morros e comunidades. Eu poderia continuar, porém, são exemplos suficientes para sustentar um ponto: “Ricos de Amor” não possui o menor senso de corpos e imagens dentro de uma narrativa. Quem está escalado, quem diz o que, quem se vilaniza e quem se torna herói. Se propondo a ir além de uma simples comédia romântica e adentrar um ambiente de escalas sociais, há de se compreender a força que possui uma narrativa e em que corpos cada personagem está inserido.
É de se ressaltar, porém, que mesmo indo para outros lados dentro do gênero, “Ricos de Amor” não deixa de ser um prato cheio das mais batidas convenções. É sempre incômodo quando um filme brasileiro, que possui infinitas vertentes culturais para explorar dentro do próprio país, replica características do cinema norte-americano para criar obras que não possuem identidade alguma. Nesse sentido, planos, ambientes e trilha sonora parecem desejar mostrar um Brasil de forma mais polida, um olhar que beira o imperialista. A trilha sonora que impera é de Alok, um artista brasileiro, porém, claro, em língua inglesa. O Rio de Janeiro, evidente, não passa do cartão postal, mesmo em favelas. A própria premissa do roteiro com o casal protagonista, claro, se encontra em uma infinitude de obras: o jovem perdido mente sobre suas ações para convencer a pretendente pela qual está apaixonado de que ele mudou ou pode mudar.
Se há algo elogioso dentro do novo longa-metragem da Netflix, está na comédia da troca de identidades. Teto e Igor (Jaffar Bambirra), quando não estão, claro, em uma disputa de sermões óbvios e expositivos, geram cenas interessantes dentro do frenesi de situações absurdas e inacreditáveis. Geram, também, uma expectativa de resolução, de como irão escapar de cada cenário. Estas, porém, se encontram como uma pequena agulha em um palheiro repleto de momentos vergonhosos. “Ricos de Amor” é o que ocorre quando discursos repetitivos e inofensivos se tornam lucrativos, afagando a moral e o senso de alguns que julgam estar do “lado certo da história”.