Resumo da Ópera
Multiplicidade formal
Por Vitor Velloso
Assistido presencialmente na Mostra de Tiradentes 2025
Fortemente ancorado no teatro e em performances que transitam em diferentes linguagens, “Resumo da Ópera”, de Honório Félix e Breno de Lacerda, é um filme que trabalha de forma hermética a revolta, a liderança e a capacidade de debater identidade e pertencimento. A estrutura de ópera e a habilidade da fotografia, assinada por Breno de Lacerda, em construir um fluxo sequencial que encorpa a encenação em uma direção de continuidade ininterrupta, fisga o espectador nos primeiros minutos de projeção, especialmente pela apresentação dos espaços e da caracterização dos personagens.
Por outro lado, a fala poética e empostada do texto proclamado pelos atores, gera um cansaço no espectador, que tem de aturar essa eloquência por uma hora e meia. Está claro que o público que conseguir se manter firme ao longo da experiência, sem desviar sua atenção dos diálogos, pode vir a se deliciar com algumas proposições das falas carregadas. Porém, em pouco tempo, este que vos escreve, passou a abstrair e apreciar as belíssimas imagens e a direção de arte Fred Teixeira e Hector Isaias, capazes de construir imagens memoráveis, algumas que geram estranhezas, projetadas no Cine-Tenda.
O universo futurista, queer e repleto de alegorias e projeções sociais, surge como uma vulcânica experiência, guiada pelo palavrório e pela estética de um certo enfrentamento normativo, assumindo que Ninguém e Messias fazem parte de uma dialética a ser dissecada enquanto “Resumo da Ópera” avança na projeção e torna-se progressivamente mais palatável quanto mais o espectador abstrair a verborragia para contemplar a construção estética, imagética e rítmica. Assim, nesse delírio de símbolos, projeções contemporâneas de debates políticos, sociais e sexuais, o falo se torna uma imagem constantemente mencionada e outros termos passam a ser compreendidos de forma quase momentânea pelo público, que assume uma ou outra palavra como referencial contextual. Existe uma tentativa de nos aproximar desse movimento centrípeto, ao mesmo passo que a suspensão da realidade, elementos materiais e concretos de interpretação, arremessa o espectador para uma base sensorial, abstrata e um tanto imediatista. Essa característica pode afastar ou aproximar o espectador, é mais subjetiva que parece e menos impactante que poderia. Aliás, essa flexibilização permissiva de praticamente autorizar o devaneio e a não-interpretação dos elementos, ajuda a atravessarmos toda a projeção do filme, ao mesmo tempo que denota uma fragilidade narrativa ou de construção discursiva propriamente dita, estetizando seus elementos até onde é possível para o projeto.
Um fator divisivo durante a exibição do filme na Mostra de Tiradentes foi o som. Quem frequente a Mostra, sabe que o som do Cine-Tenda é limitado e precisa de reformulação, podendo ser ainda mais prejudicado se houver uma forte chuva do lado de fora. Porém, em “Resumo da Ópera” o problema vai além, a dessincronização é proposital ou foi um erro durante a projeção? Não é possível saber, mas desloca a atenção e gera um certo desconforto. De toda forma, em um filme onde a música e a trilha são bastante presentes, a inconstância desse som relativo a imagem, não faz o longa alçar nada de positivo, pelo contrário, parece apenas mal finalizado ou mal projetado, distanciando as tentativas do público de entrar nesse projeto excessivamente hermético e de interpretação múltipla.
“Resumo da Ópera” se complexifica com o passar do tempo, mas soa uma experiência imediatista que convida o espectador a apenas contemplar suas belas imagens e direção de arte, concebendo a abstração da poesia como uma possibilidade quase incontornável. Acaba sendo muito restritivo por levar o espectador à exaustão com uma velocidade ímpar, criando recortes a serem lembrados e uma experiência picotada pela pulsão de textos e falar que são verdadeiras barreiras para quem não se encontrar nesse universo de maneira inequívoca. Sem dúvida é uma obra que se enquadra perfeitamente no questionamento temático desta edição de Tiradentes, reverenciando uma multiplicidade de formas e linguagens, sem o pudor do didatismo e quebrando uma série de consensos estabelecidos pelo cinema nos últimos anos. Ainda assim, a história da obra e a forma como essa poesia é projetada, traz um caráter limitante para o período de apreciação do longa, precisando de tempo para que ideias e imagens assentem na reflexão do espectador e consigam ganhar alguma forma mais sólida, sem o processo labiríntico de construção estética que domina a representação durante todo o processo.