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Relatos do Front

81 denúncias, um filme

Por Vitor Velloso

A violência da polícia militar do Rio de Janeiro é conhecida por todos. Os casos que acontecem todas as semanas, bala perdida, repressão, execução, tortura, invasão etc. Algo discutido por parte de quem detém o poder, pois a outra parte se abstém. Marielle foi uma das principais a tentar debater o assunto, e assim, calada. Para além do âmbito do rompimento democrático, deve-se pensar a ética e moral de um Estado que dá as costas às vítimas desta violência em todas as instâncias possíveis, seja pobre e músico, mulher e vereadora ou criança estudante. E claro, um policial militar morto em combate que vira número na pauta do governo. Snipers, repressão e aval de execução dada pela hipocrisia de uma ideologia de segurança pública, que apenas serve para mascarar o genocídio dos pobres e negros. Tal política não se resume, claro, aos governadores, já que o representante máximo de nosso Executivo declara inimigo os que “gostam de pobre”.

Dirigido por Renato Martins, o documentário “Relatos do Front” busca compreender o fenômeno completo, de todos os pontos de vista, sem fazer juízo de valor. Coletando depoimentos de ex-policiais, policiais, moradores da favela, ex-traficantes e vítimas, ou parente delas. A questão é grave, uma verdadeira patologia social. Policiais matam, morrem e são esquecidos na assombrosa lista de questões a serem resolvidas, obviamente, como já vimos, o arquivamento é regra. A intensa necessidade fálica de provar o poder que detém em mãos, resulta em uma política excessiva, onde a violência se responde com violência e armas com mais armas. Mas se houvesse um mínimo estudo, poderíamos analisar que numericamente a tragédia é pior que parece, mas currículo não é necessariamente um problema, já que o governador do RJ estudou em Harvard, não? Não.

Renato recusa uma análise da problemática cinematográfica do assunto filmado, permite que seus entrevistados possuam autonomia diante da câmera, assim permitindo alguns depoimentos pouco previsíveis. Clama por um debate intenso acerca das questões abordadas, não à toa estrutura sua montagem para que haja embate entre discursos seguidos, mas acaba deixando escapar sua própria voz diante de seu material, algo que se assemelha à uma moral jornalística (contemporânea). A atitude permite alguns espaços dialéticos pouco resolvidos durante a projeção, pois somos massacrados com imagens difíceis de esquecer, venham elas do ecrã ou dos depoimentos, que não passam de uma substancial passagem analítica de uma representação midiática daquela violência generalizada. E este sentimento acaba atormentando o espectador que sai sem respostas, tampouco sem perguntas. O processo de reflexão é negado ao público a partir de uma estrutura que busca respeitar algumas éticas auto impostas pelo cineasta, sendo didático na medida certa, mas dialético em menor grau. A discrepância desta questão fica bastante clara, ao escutarmos alguns policiais se posicionando de maneira X, outro Y e um terceiro que não concilia, nem acrescenta nada ao assunto.

As entrevistas são conduzidas de maneira incisiva durante a projeção, o que facilita o ritmo da obra, pois o ato de condicionar quase toda sua estrutura à material de arquivo e entrevista, mantém seu filme na padronagem clássica de grande parte dos documentários produzidos atualmente, mas a partir de um assunto sociopolítico tão importante, da condução das entrevistas e do carisma de alguns personagens, somos guiados até o fim. Alguns dos entrevistados (as) somam a partir de um fetichismo que o público irá criar com parte de sua situação, onde há um desejo (pouco honesto) de conhecer parte de seu passado e a opinião diante daquele problema. Ps: A conclusão acima não foi retirada apenas de um pensamento meu, houve uma conversa com mais de cinco pessoas, onde a pauta foi consenso. 

Talvez a necessidade de imparcialidade em uma obra que não poderia se manter longe das discussões, acabou diluindo parte da importância do filme. A necessidade geral de ver o longa é imensa, deveria ser exibido em todas as salas de cinema deste país, mas ainda possui algumas questões que o daria mais potência e iria concretizar melhor as ideias de Renato. Porém, a colônia da violência segue assistindo a América do Norte enfrentar o governador do Rio de Janeiro, sem a manopla, mas com Snipers.

3 Nota do Crítico 5 1

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