Mostra Um Curta Por Dia - Repescagem 2025 - Novembro

Querido Trópico

Consciências ambíguas

Por Vitor Velloso

Festival do Rio 2024

Querido Trópico

Querido Trópico”, filme selecionado para ser o representante do Panamá na disputa de Melhor Filme Estrangeiro no Oscar 2026, é um filme que nós já assistimos muitas vezes e que sempre funciona para chamar a atenção da Academia enquanto um projeto humano e sensível, que ultrapassa os conflitos de classe e a relação de serviços ali imposta. Bem… não é bem assim. O longa, dirigido por Ana Endara Mislov, segue a cartilha de todos os projetos que procuram se debruçar sobre a ligação entre enfermeira(o) e paciente, sem perder a chance de abraçar clichês e resoluções programáticas.

Porém, “Querido Trópico” não sai diretamente de uma fotocopiadora: o longa tem uma alma para chamar de sua e desenha a trajetória de suas personagens de maneira mais singular do que a maioria desses projetos costuma conseguir. Aliás, a dinâmica entre as protagonistas é muito bem conduzida pelo trabalho de interpretação realizado por Paulina García, que interpreta Mercedes, e Jenny Navarrete, que interpreta Ana María. Elas conseguem sustentar a maior parte das ideias de um roteiro, assinado por Ana Endara e Pilar Moreno, que não possui grandes ambições para além do formato já estabelecido, mas não deixa de construir essa diferença de classes através de um prisma latino-americano. Não por acaso, o filme não tem uma pressa desmedida para concluir seus arcos, sequências ou “momentos” dessa relação, permitindo que o espectador tenha tempo para apreciar um pouco essa dimensão espacial, importante para o projeto, já que a própria residência se torna um elemento de constante encerramento de liberdades — evidentemente com as diferentes origens desses limites, pois Mercedes está com a piora dos sintomas da demência em evidência e Ana María está na residência para tomar conta de Mercedes.

Contudo, da mesma forma que há um cuidado na construção dos quadros, através da fotografia assinada por Nicolás Wong, e dessa dilatação do plano, através da montagem assinada por Bertrand Conard, ambos realizam um bom trabalho ao criar uma cadência adequada para o projeto, sem deixá-lo com um ritmo excessivamente lento e apenas contemplativo. Pelo contrário, as cenas parecem ter a duração necessária para seu propósito particular, que normalmente se encerra ali. Por exemplo, quando Mercedes ordena que Ana María vá retirar as tampas para que suas orquídeas possam tomar a água da chuva, mesmo sem guarda-chuva, essa humilhação vem após a patroa sofrer algum tipo de crítica de suas amigas por estar comendo açúcar demais, dando a ideia de uma retaliação realmente infantil. Nessas sequências em que vemos o caráter peçonhento da família rica, seja de Jimena (Juliette Roy) ou de Mercedes, compreende-se que a ideia de “Querido Trópico” passa não só pela exposição desse conflito de classes, como também por traduzi-lo de forma sensível para o espectador, demonstrando esse lado sombrio de suas personagens, mas também o afeto que se constrói nessa relação — ainda que seja através da fragilidade de um dos lados.

Ainda assim, apesar dessa sensibilidade presente na obra, é possível sentir que, no campo formal, há uma investida quase asséptica na construção desse drama. Talvez uma preocupação tão grande em explicitar uma identidade, procurando fugir de algumas armadilhas fáceis dos projetos similares que fizeram sucesso, ainda que, em boa parte das decisões narrativas aqui, haja uma forte inclinação para essa verve engessada, que, em determinadas sequências, faz com que “Querido Trópico” pareça um tanto indiferente, apostando todas as suas fichas em suas atrizes, que conseguem sustentar, mas falta que essa sensibilidade aflore nos caminhos narrativos, não apenas nos técnicos.

Por fim, é um filme que consegue se destacar de seus pares, que serviram de molde e inspiração para o longa, mas não consegue se desvencilhar de uma certa relação medíocre com suas próprias temáticas, seja por medo de soar irreconhecível enquanto um drama palatável — e perder performance nas bilheterias —, seja por um lugar de conforto cinematográfico, procurando arredondar as arestas da maneira mais influenciável possível.

É ótimo que tenha saído de tantas amarras industriais; é frustrante que pareça não reconhecer que esse discurso da arthouse é uma indústria em si mesma, que responde às suas próprias demandas e “necessidades”. De toda forma, é um projeto que joga no seguro na maior parte do tempo e, talvez, a escolha para representar o país também seja uma escolha segura.

3 Nota do Crítico 5 1

Conteúdo Adicional

Apoie o Vertentes do Cinema

Deixe uma resposta