Pulp Fiction: Tempo de Violência
A estética tarantinesca da violência
Por Bernardo Castro
A primeira tarefa como crítico na Vertentes pelo Cinema, outorgada a todos que desejam começar, é a tarefa de escrever uma crítica. No entanto, não se trata de uma simples crítica, mas de uma crítica do filme favorito daquele que a escreve. Recebida a incumbência, existem apenas duas formas de apresentar uma resposta satisfatória: dissertar acerca de um dos milhares de filmes que tem um grande significado para mim ou escrever sobre um filme que me introduziu à uma nova visão de cinema, uma vez que escolher apenas um filme favorito é negar a própria pluralidade do indivíduo e limitar-lhe apenas à uma faceta de sua personalidade, tendo em vista que o homem é plural e composto de muitas camadas – das quais é impossível compreender integralmente todas. Após vertiginosas divagações e profundas cavilações, o objeto de estudo eleito não podia ser nada menos do que um clássico da cinematografia mundial: “Pulp Fiction: Tempo de Violência”.
Para os que não conhecem ou nunca viram, o filme conta uma série de histórias que giram em torno dos mesmos personagens e de suas relações. No começo, vemos dois assaltantes de banco aparentemente sem muito vínculo com a história planejarem o assalto ao estabelecimento em que se encontram. Então, somos apresentados à Vincent Vega (John Travolta) e Jules Winnfield (Samuel L. Jackson), dois assassinos de aluguel que trabalham para o chefão do crime Marcellus Wallace (Ving Rhames) em sua saga para recuperar a maleta perdida de seu chefe. Neste meio tempo, o boxeador Butch Coolidge quebra o acordo com Marcellus, não só ganhando a luta, mas nocauteando o adversário e o assassinando, fazendo com que ele e sua namorada coloquem em prática o plano de deixar a cidade. Vince aparece outra vez saindo para um restaurante com a esposa de seu chefe em uma noite que quase acaba muito mal. Essa colagem quase experimental e sua execução genial são o que concede à Pulp Fiction o status cult que tanto atribuem à peça.
Muitas coisas chamam a minha atenção em “Pulp Fiction: Tempo de Violência”. Gosto como Tarantino cria uma linguagem própria e desenvolve uma trama aparentemente simples dentro de uma mise en scène invulgar e absurdista, que de alguns ângulos pode ser interpretada como uma releitura lúgubre e sinistra do realismo mágico popularizado por grandes escritores sul-americanos como Gabriel García Márquez e Júlio Cortázar. Essa soturnidade catártica é denunciada nos primeiros minutos do filme: logo no começo, somos introduzidos à definição da palavra “pulp” que vemos no título da obra, podendo tanto descrever um tipo de revista sinistra impressa em papel áspero quanto uma massa macia, úmida e sem forma – assim como a estrutura do longa. Essa temática gore, que com o passar dos anos virou marca registrada do diretor, viria a aparecer em outras aclamadas produções do diretor americano, como Kill Bill, Django: Unchained e muitos outros. A explosão de sangue e a violência gratuita dividem os espectadores, criando um sentimento de repulsa e pavor em uns e um sentimento de catarse em outros.
A violência neste filme, todavia, é puramente humorística, sem ter a intenção de aludir à certas mazelas da sociedade de forma hiperbólica ou tanta profundidade quanto em outros filmes sobre temáticas sociais. Ainda nessa linha de raciocínio, outra qualidade do filme é a forma como ele conta a história. Dividida em arcos e acontecimentos, Quentin Tarantino resolveu quebrar a narrativa e remodelá-la no intuito único e exclusivo de romper com a tradição de se contar uma história de forma linear. Desta forma, vemos o Vince, personagem de John Travolta, aparecendo vivo minutos depois de testemunhar-se a sua morte pelas mãos do boxeador Butch. Mesmo com toda essa fluidez, ele consegue construir uma narrativa sólida e dar uma aula de escrita para cinema. Sem diálogos super expositivos como os que se veem em alguns filmes por aí, os personagens de “Pulp Fiction: Tempo de Violência” geralmente conversam sobre trivialidades que, por mais que pareçam vazias e rasas, dizem muito mais a respeito de cada indivíduo do que elas aparentam – é desta forma que ele explora o perfil de cada personagem, suas emoções, valores e ambições. Dadas as informações supracitadas neste texto, é necessário ressaltar algumas informações cruciais no tocante ao objeto de estudo.
“Pulp Fiction: Tempo de Violência” é, sem dúvidas, uma porta de entrada para a filmografia do Tarantino e para aqueles que buscam conhecer mais sobre cinema. Apesar do desenvolvimento narrativo nada convencional, é um filme com uma linguagem bem mais acessível em comparação com filmes da Nouvelle Vague, por exemplo, e com o atrativo de ter nos papéis principais atores conhecidos pelo público geral. Se você ainda não assistiu a este clássico da sétima arte, não perca seu tempo!