O Primeiro Dia do Festival de Berlim e Suas Pílulas Críticas
Por Fabricio Duque
A temperatura de Berlim com seus cinco graus negativos e sensação térmica de dez não esfria a Berlinale 2017. Aqui, a energia é aquecida com a quantidade e qualidade dos filmes (lógico, que entre um e outro há sempre um mediano, faz parte), e mesmo com a correria para almoçar, visto que é exibição, coletiva, exibição, coletiva, e por aí vai, nossa força “No Limite” é desenvolvida a níveis máximos de sobrevivência.
Porém, tudo ao redor ajuda, a excelência das exibições de todas as salas de cinema (a educação das pessoas quando estão assistindo – não há celulares tampouco papos paralelos), a organização do festival que coloca máquinas de café Nespresso (liberado e de graça a seus jornalistas-críticos), a funcionalidade de locomoção, hospedagem (cinco minutos do Berlinale Palast) e alimentação, enfim, tudo parece ser um conto de fadas numa das melhores cidades do mundo.
Hoje, por exemplo, foram cinco filmes. Não seis programados, porque a necessidade do supermercado falou mais alto. Água, frutas (banana, maça, morango e uva), cereais, chocolate sem lactose, tudo por treze euros. Enfim, voltando ao que realmente interessa: os longas-metragens, este primeiro dia (sempre no primeiro dia) foi possível encaixar mais filmes da mostra Forum (uma das melhores do Festival, devido a sua diversidade de gêneros, temáticas, narrativas e sexualidade).
Vamos a eles, mas as críticas não serão completas. Aqui e agora, o Vertentes do Cinema dará preferência à mostra competitiva oficial e aos nossos representantes nacionais. Todos os outros serão pílulas e complementadas nas semanas posteriores do início do Festival de Berlim.
#01: “CASTING”, de Nicolas Wackerbarth. O filme alemão, que participa da mostra Forum do Festival de Berlim 2017, ambienta-se no universo de uma produção de filme, este que é uma refilmagem para televisão de “As Lágrimas Amargas de Petra von Kant”, de Rainer Werner Fassbinder, para comemorar seus setenta e cinco anos. Com humor tipicamente alemão, estilo “Toni Erdmann”, de Maren Ade, com inferência implícita a “Olmo e a Gaivota”, de Petra Costa, o filme desenvolve-se pelo sarcasmo direto de como realizar um “sistemático” Fassbinder hoje, contrastando da essência autoral de seu “homenageado”. Entre vulnerabilidades, constrangimentos, verdades e firmezas de querer, “Casting” infere outra combinação “Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância)”, de Alejandro González Iñárritu com “Vermelho Russo”, de Charly Braun. Como foi dito, tudo inferência para nortear o leitor-cinéfilo em suas escolhas. Uma crítica à mudança do mundo e seu tempo perdido que não encontra lugar para voltar. Imperdível. Com cinco camerazinhas.
#02: “DJANGO”, de Étienne Comar. Com Reda Kateb e Cécile de France. O filme da competição ao Urso de Ouro, que abre o Festival de Berlim 2017, não é sobre um escravo livre de Quentin Tarantino, apesar da lembrança referência a “Bastardos Inglórios”. Aqui, busca-se a aproximação com a estrutura hollywoodiana palatável e novelesca, mesmo mudando a língua do inglês ao francês. “Django” é mais um filme sobre a segunda guerra mundial e mais um que demoniza alemães e o Nazismo. Em 1943, músicos belgas cantam variações musicais que vão da tipicidade do gypsy leste europeu com a veia “negra” da energia catártica do blues, este criando a inferência no espectador a “Jimmy’s Hall”, de Ken Loach. A narrativa é teatralizada, potencializando a edição de cortes rápidos, sem silêncios, quase no tempo de uma piscada, pela câmera “mosca” livre que passeia próxima a personagens como um documentário encenado e reconstituído. Por este podemos entender e defender seu anti-naturalismo das interpretações e a distância com o aprofundamento da trama. Django, baseado em uma história real, levou a Franca seus costumes locais, sua família, sua excentricidade e sua mãe forte (uma das melhores personagens do filme – porque traduz e resume a discrepância intercultural). O filme sobre o “rei do swing”, “tipo Clark Gable”, que inevitavelmente tem um que de “O Pianista” com “Whiplash”, cria brincadeiras-picardias de defesa ingênua com Hitler e “sonha ao querer ir ao cinema”. Entre os ícones jazzistas, Coleman Hawkings, Louis Armstrong, o “negro” Duke Ellington, Django passa pela arrogância implicante alemã, sofre a guerra, pesca com um padre, estimula uma briga em um Hot Club, conforta-se com o tocando o instrumento órgão em uma igreja, e entra para uma resistência inicialmente passiva para depois protegido se tornar mais enérgico. O “monkey music” blues une, salva e “solta” alemães que dançam como se não houvesse guerra, fazendo um reacionário clube negro dentro de uma festa tipicamente nazista. A impertinência é punida, revidada e melodramática. E em 1945, o maestro galga seu propósito máximo de sua existência. Como foi dito, um filme intrinsecamente americano com a diferença que é falado em francês, estes desta vez as vítimas da intolerância. “É um filme sobre música que é política”, disse seu diretor na coletiva de imprensa. Concluindo, um filme de três camerazinhas.
#03: “BARRAGE”, de Laura Schroeder (de “Schatzritter”), filme participante da mostra Forum, inevitavelmente chama a atenção pela presença de Isabelle Huppert, uma das atrizes queridinhas do momento (por finalmente ter tido seu talento reconhecido por “Elle”, de Paul Verhoeven no Globo de Ouro 2017 – vencendo a categoria de Melhor Atriz – e estar indicada ao Oscar deste ano). Sua narrativa de câmera próxima que acompanha as personagens assemelha-se a da dos Irmãos Dardenne (Luc e Jean-Pierre), mas não fica só ai. É um exemplar de homenagem à cinematografia cinefilia francesa complementado com inserções moderninhas à moda de Mia Hansen-Løve (em “O Que Está Por Vir”, que também tem Isabelle – atriz esta que não dispensa nenhum papel – praticamente uma Meryl Streep). Mas também não é só por isso: e sim, por ter transmutado à atriz Lolita Chammah uma personificação alter ego Huppertiniana. Entre a cidade que oprime e o bucolismo do campo que salva e seca feridas, uma mãe e filha acertam as contas com o passado. Imperdível. Com quatro camerazinhas.
#04: “DAYVEON”, de Amman Abbasi, que participa da mostra Forum, quer ser um junção da temática “Moonlight: Sob a Luz do Luar”, de Barry Jenkins com a estética visual “Docinho da América”, de Andrea Arnold com interações da fotografia por sombras e submundos (que parece uma nostálgica Polaroid Lomo) à epifania existencialista de Spike Jonze, e principalmente com a atmosfera de Spike Lee. Tudo devido ser um filme de negros sobre o universo negro, criticando uma falta de perspectiva e uma submissão resignada (pelo olhar que resume toda uma antropologia comportamental da trama do ator principal), mas todo o drama é potencializado com caricatura e clichês da violência estimulada por eles mesmo e pelo meio em que vivem. Como foi dito, é um “Moonlight: Sob a Luz do Luar” cuspido e escarrado, com seu bullying, auto-descaso, gangues, idiotização da sociedade de fracassados e à margem, memórias despertadas. “Dayveon” é sobre o vazio, sobre o tédio, e infere implicitamente a “Vizinhança do Tigre”, de Affonso Uchoa, mas o que consegue transpassar em seu contexto é ingenuidade com fragilidade. Com duas camerazinhas.
#05: “XHOSA – THE WOUND”, John Trengove, escolhido para abrir a mostra Panorama do Festival de Berlim 2017, é um filme único e particular sobre a homossexualidade na África do Sul tendo como pano de fundo um ritual excêntrico e da cultura deles, que liberta o ser, o deixando livre para ser um homem por completo e protegido. Com câmera subjetiva, o filme desenvolve-se nos procedimentos (uma versão ficcional que parece documentário), e no conflito questionador de um implicante que quer “corromper o sistema” e contradizer “Jesus e seus apóstolos”. O filme é curioso, mas o melhor foi sua apresentação pós exibição com diretor, o ator principal e no personagem real em que a história foi baseada. Ele deu uma aula sobre a hipocrisia da aceitação dos gays na África. Com isso, três camerazinhas.