Porque você não chora?
Tropeçando na abertura
Por Vitor Velloso
Festival de Gramado
A primeira obra da Mostra Competitiva Brasileira do 48º Festival de Gramado 2020, iniciou o ciclo comprometendo a boa vontade. “Porque você não chora?” conseguiu no auge da sexta-feira, arrancar uma série de bocejos no espectador que assistia ao longa-metragem no conforto de sua casa.
O filme de Cibele Amaral nunca se encontra. Tão perdido quanto sua protagonista, o projeto tenta atirar para resoluções dramáticas diversas e acerta o tédio com primor particular. Os primeiros minutos iniciam a tortuosa caminhada do didatismo de quinta, onde os diálogos expositivos tentam forçar uma ideia de diversidade intelectual presente ali na obra, onde os referenciais surgem como um dado metodológico para a abordagem que Cibele terá. O problema é que nessa ordem do dia há uma urgência de ordem primária, que é tocar no sensível de seus personagens, para que o espectador compreenda as dificuldades. Mas a fixação do filme em conseguir extrair a empatia, transformam cenas narrativamente poderosas em um trânsito do patético para a burguesia e suas necessidades particulares.
Aqui cabe dizer que “Porque você não chora?” possui um rigor de honestidade que deve ser levado em consideração, mas o tratamento metódico com a exposição, o didatismo, aliado ao tom isolado daquelas situações, concretiza tudo em preguiça coletiva. E isso torna-se claro quando os tópicos da relação das protagonistas, reverberam em um formalismo tacanho e mise-en-scène se transforma em campo de debate das aproximação catatônicas das duas. É um “Persona” que parte de Bergman e atinge um novelão de uma baixaria intelectualóide e classista. Se por um lado o filme possui boas interpretações centrais, por outro, parece se perder nas atrizes, esquecendo o eixo dramático que serve de guia para as mesmas. O fetiche pela mimese se torna o exercício de apagamento da obra, pois a cada vez que é necessário retornar à Universidade para explicar algo que está acontecendo, em um eixo acadêmico patético (mas possivelmente melhor que o real), o ritmo vai se dissipando.
E o academicismo vira a tônica para se discutir tudo aqui, de borderline à depressão, são como em um jogo aditivo, as coisas ganham corpo e forma a partir do quanto avançamos na trama, sem o funcionamento que era almejado, pois o caráter simplista torna a obra distante do panfleto, rigorosamente oposta de um pensamento crítico em torno da sociedade e do meio social, focando seus esforços nesse pragmatismo individual da psique das duas. Espelhado nessa relação real, o filme constrói de maneira tacanha as possibilidades de redenção dessas mulheres, criando estereótipos múltiplos para possíveis resoluções na história. Apelando gravemente para um lírico pequeno burguês que incapaz de conceber o mundo ao seu redor.
Concluindo a partir disso tudo que a solução é mais interior do que imaginamos e que um proto-isolamento social é fruto de uma necessidade de autopreservação. E até onde ele consegue atingir um caráter mais sincero com tudo isso, “Porque você não chora?” sempre toma decisões duvidosas. A máxima “se você não é neurótico, procure um terapeuta” cai como uma luva para o intelectualismo de quinta categoria que vai eleger Freud na pauta universitária, mas só torna ao lugar comum em responder a problemática com uma frase de efeito impactante da psicologia. E é onde esses diálogos no pensamento passam a se tornar um problema para o filme, pois as instituições surgem como um obstáculo e gênese do problema, ao passo que sintoniza à desarticulação de espaço e tempo ao qual elas estão submetidas. Não à toa, as maiores aberrações passam a surgir em uma segunda metade que focaliza o “pesadelo”, a abstração, e consuma esse caráter notório, particular.
Ao fim da projeção, o longa acaba de supetão e nos mostra que a abertura de Gramado não poderia ser mais problemática, dando uma nota bastante negativa à expectativa que se tinha dessas obras, relembrando que, sim, a história do festival sempre foi conturbada, mas em meio à pandemia, discussões equivalentes a do filme etc, o cinema falhou em ser didático, crítico e até mesmo agradável. Agora nos resta aguardar os outros brasileiros e torcer para que os próximos consigam apagar o gosto ruim deixado no primeiro dia.