Poropopó
Os sonhos de uma nova vida
Por Vitor Velloso
Mostra de Tiradentes 2022
Exibido no 25º Festival de Cinema de Tiradentes, “Poropopó”, de Luís Antônio Igreja, é um filme peculiar sobre uma família circense nômade que decide se fixar em uma cidade e buscar uma nova vida. Existem diversas alegorias disponíveis durante a projeção, que não apenas representam diretamente parte da história brasileira, como possuem elementos capazes de dialogar com o atual contexto do país. O que acaba tornando-se mais claro para o espectador é a canção presente no título, remetendo à canções de resistência contra a opressão. “Bella Ciao” não é reproduzida na íntegra, mas a lembrança é inevitável.
O problema dessa proposta é a fragilidade de um discurso que seja capaz de sustentar esse enfrentamento de uma comunidade com as figuras militares, já que a coisa toda fica no cerceamento das manifestações artísticas e solidárias. “Poropopó” investe na capacidade de se comunicar com o espectador com a menor quantidade de diálogos possível, recorrendo à construção dos cenários, de cores vibrantes, figurinos que dialogam com a estética circense e uma montagem que brinca com passagens do tempo, além de sonhos que se materializam e rapidamente são desfeitos. Aliás, os sons característicos cruzam a narrativa inteira, criando uma atmosfera híbrida entre a linguagem cinematográfica e a proposição de um circo enquadrado por essa pequena vila. Ainda que isso possa funcionar em algumas sequências, torna-se um problema para lidar com as exposições que almejam o didatismo dessas passagens históricas, assim como mostrar a força da população diante de abusos de poder das autoridades e opressões promovidas pelos fardados.
As questões acabam se mantendo em uma superficialidade que não condiz com a flexibilidade de uma forma que é capaz de sintetizar seus cenários a partir de uma fixação pelos espaços, mas também de viajar por um universo lúdico através de inserções e escapes, trabalhando com máscaras e diversos elementos de maneira simultânea. Essa falta de equilíbrio ressalta que “Poropopó” é rico pela multiplicidade na abordagem, ainda que não consiga desenvolver a proposta para além dessa representação que já se esgotou ao longo dos anos. Assim, o grande mérito do filme é conseguir esse diálogo entre as linguagens, com ricos recursos didáticos e uma estética que torna-se instigante com sua progressão. Não por acaso, a diferença das sequências essencialmente circenses para a nova cidade, chamam atenção do espectador, já que é capaz de limitar essa representação em um jogo econômico de planos, sem perder o brilho dessa relação lúdica.
Contudo, essa dinâmica depende diretamente do grau de imersão do público nessa fórmula, já que a mutabilidade é relativamente limitada ao longo da projeção. Caso a primeira metade não consiga instigar o suficiente, a probabilidade da segunda conseguir fazer isso é ainda menor. Portanto, a aventura proposta por Luís Antônio Igreja em sua carpintaria estética é um mergulho na íntegra, com altos e baixos, algumas atuações que podem comprometer momentos importantes para essa construção narrativa, como o clímax que justifica o título em referência a músicas de resistência e um jovem romance que nasce da diferenças e identificações provocadas pelo cotidiano, com onomatopeias e inserções na imagem. Essa característica é sem dúvida um dos trunfos de um projeto que é capaz de desdobrar uma temática particularmente simples, em diversas tramas que se complementam, criando uma gama dramática de poucos diálogos, mas capaz de demonstrar como o dia-a-dia pode ser atravessado por novos encontros e experiências.
“Poropopó” não consegue ser sólido a ponto de concretizar as discussões que ensaia propor, mas é encantador na maneira que transita entre diferentes formas e ainda mostra como o sentimento de unidade da população local, pode ser capaz de modificar sua realidade, através da solidariedade e de manifestações culturais que se sustentem, longe dessa patrulha constante, pelo presente ou por fantasmas do passado.