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Pássaros de Verão

Pássaros de Verão Pájaros de Verano

Um faroeste caboclo

Por Fabricio Duque (Festival de Cannes 2018)

(E por Pedro Guedes no Festival do Rio 2018, pílula-crítica aqui)

 

Exibido na Quinzena dos Realizadores do Festival de Cannes 2018, o novo filme do colombiano Ciro Guerra, “Pássaros de Verão”, que co-dirige com Cristina Gallego (esta que trabalhou com o realizador desde seu primeiro filme, de diretora de arte à roteirista em “O Abraço da Serpente” – filme que maravilhou e encantou o público pelos moldes poéticos em traduzir o coloquialismo ficcional).

O longa-metragem quer imergir o espectador em uma parábola de um extendido conto realista, como um intimista e inclusivo estudo de antropologia histórica ao contar a evolução e queda de uma família que se modificou e se perdeu pelo muito mais que o capitalismo oferta aos olhos sedentos de poder.

“Pássaros de Verão” é uma odisseia que nos mostra que a ganância é parte indissociável do ser humano. Nós somos convidados a embarcar nesta jornada do dinheiro acima de todas as coisas, que atropela tradição, respeito, honra e a força da palavra como contrato firmado (“A violência contra a palavra é sem precedentes”). Entendemos que o capitalismo não é confiável, e que esta solução progressista de comprar tudo e todos só descamba vidas, tornando o mundo uma terra sem lei igual a um faroeste caboclo.

A narrativa precisa nos conduz com liberdade absoluta por uma câmera sensorial e organicamente estética, semelhante à estrutura epifania de Terrence Malick. Mas aqui a proposta é outra ao invocar a ambiência exemplo do cineasta filipino Lav Diaz, em que “sonhos mostram a existência da alma” e que rituais conservam a ancestralidade de um povo que precisa se adaptar ao novo mundo para sobreviver. O roteiro quer metaforizar que a ingenuidade transformou-se em esperteza e perspicácia organizacional. E a união dos clãs, que anteriormente só festejavam, como as danças, ganha contornos primitivos de vingança a la “Game of Thrones”.

Pois é, ao “vender” suas vidas ao capitalismo desenfreado e sem nenhuma regra ética, os sonhos de antes que mostravam o caminho, agora encontraram a “fúria dos espíritos”, perdendo “a alma e a proteção”. Dividido em cinco cantos, “Pássaros de Verão”, baseado em histórias reais que aconteceram dos anos sessenta aos oitenta na Colômbia, é uma experiência litúrgica do pecado ao limbo eterno, e toda culpa exclusivamente do indivíduo pelo livre arbítrio da escolha maniqueísta. É também sobre o começo de uma máfia da “erva selvagem” e a “felicidade do mundo”. Uma experiência “mercadológica” que chega em Pablo Escobar, no melhor estilo de “Narcos”.

O filme integra não atores que, de forma irretocável, conjugam com equilíbrio reações e exatos silêncios, ora mesclando com inferências sons de um berimbau, e assim potencializa o ar de aventura selvagem. É a odisseia de um dote matrimonial, uma “sugestão” extrema que encontra consequências também extremas. Sim, uma única ação-ideia muda tudo. Um bater de asas de uma borboleta e ou um vermelho pássaro de verão que busca vingança e voa em forma de “v”.

“Pássaros de Verão”, com suas elipses, mostra a modernização dos costumes (que precisam desaparecer ou se esconder por não mais encontrar espaço à ingenuidade de uma supersticiosa crença incondicional e inquestionável). É também sobre o fim de uma aldeia wayúu, que deixa de ser para se adaptar a outra realidade mais “proveitosa” entre “negócios” com alijunas (estrangeiros). Crianças começam cedo, túmulos exumados dão lugar a esconderijos de armas. Sim, é impossível não lembrar da música “Faroeste Caboclo”, do grupo Legião Urbana. Nosso protagonista só queria casar e ser feliz dentro da simplicidade interiorana. E a cada “extra” profissional, complicações, perdas e mortes internas. E assim, pequenos crescem “sementes podres”: tiranos e arrogantes, influenciando intransigência e violência a todos ao redor.

O espectador adentra em um mundo sem volta, que se auto-degringola a cada ação desumana. O longa é um estudo sobre as consequências do capitalismo, que destrói paraísos, os transformando em guerras infernais criados por cada um desses seres que se dão conta que podem ter mais do que precisam. Que por dinheiro chegam a se submeter a humilhações escatológicas. “Pássaros de Verão” é um reflexo-retrato de um iminente apocalipse, que se estreita por nós mesmos. Por nossas mesquinhezas, por nossos orgulhos, por nossas intransigências, por nossos pedantismos e por nossa falta de humildade, achando que perdoar é sinal de fraqueza e perda de poder perante os mais vulneráveis. O filme é impecável porque nos confronta com o pior que existe em nós mesmos. Com aquele sentimento que tentamos apagar no mais fundo de nossas escuridões. Sim, como já dizia o filósofo francês Jean-Paul Sartre, “O inferno são os outros”.

5 Nota do Crítico 5 1

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