Pacifiction

A personificação do mundo entre dominantes e dominados

Por Fabricio Duque

Durante o Festival de Cannes 2022

Pacifiction

E se a os países do mundo fossem personificados e dotados de características únicas? O realizador catalão Albert Serra, nascido em Banyoles, Espanha, pensou nisso e abordou no filme “Pacifiction”. Exibido na mostra competitiva do Festival de Cannes 2022, o longa-metragem corrobora a maestria do diretor de “Liberté”, se no anterior a mensagem era a libertinagem aristocrática, neste, a questão foca no campo das ideias, dos acordos, das idiossincrasias político-sociais. Vale tudo, até roubo de passaporte. Em “Pacifiction”, não há limites aos quereres e as “necessidades do povo”. Que pode encontrar “bichas” em uma bar “gueto gay”, um “lugar de pegação” com performances de dançarinos, tudo ambientado em um resort naturalista de luxo em uma ilha deserta e afastada na Polinésia Francesa do Taiti. Sim, estão cercados por águas e sem roupas, talvez outra metáfora desses atores que estão desnudos (sem “embalagem”) entre “iguais”, estes que retroalimentam individualismos e subjetivismos, alguns até de forma co-dependentes, comunicando-se por diálogos superficiais e devaneios, mas que mesmo assim expõem a vida deles. E o “pior”: não podem fugir. Precisam “resolver” suas questões. E podem estar sendo controlados por “algo sombrio”. 

“Pacifiction” não é apenas uma crítica em conversas, e, sim, um estudo político integrado do humano com o social; do pessoal com o diplomático; dos nuances do errado com o politicamente correto. Este filme também não é um monólogo-sermão, podendo mesmo ser traduzido como uma utopia da liberdade, em que entre o 8 e o 80 há uma infinidade de causas e consequências. Esta obra, que constrói o tempo invisível, é uma experiência antropológica de cognição comportamental, aprofundando camadas existencialistas presentes nos seres enquanto indivíduos que compartilham estágios, limites, desejos, romances, segredos, hipocrisias, flertes, inimigos e espaços com outros em uma estrutura chamada sociedade, e no meio disso tudo vivem entre ondas gigantes, terroristas, ricos, pobres e passeios exóticos. Como disse, “Pacifiction” é um apaixonado, racional e impulsivo estudo político pelo viés humanizado. Transexuais “ganham pauta” porque um gosta. Ora contra o comunismo, ora à favor do conservadorismo. É o pessoal que influencia o todo, visto que o próprio povo forneceu esse poder a um “guia”, com ou sem emoções. Com ou sem coerência. Com ou sem egoísmo. Mas “quase” nunca com 

Sim, é quase unânime a percepção de que nós espectadores, meros submissos receptores, somos imersos em um tempestade de ideias, que venta demais, trazendo e afastando informações. Ao mesmo tempo, “Pacifiction” quer a confusão surrealista e também o realismo mais que possível. O tom do filme segue pela condução caótica intercalada com desabafos mais que verdadeiros (alguns chegam a nos desafiar como humanos de tão absurdamente antiéticos), o que faz que cada um de nós questione e confronte nossas opiniões todo o tempo durante a projeção. Descobrimos que nossa essência talvez reside na contradição e não na definição absolutista. “Pacifiction” é um embate entre o que somos e o que agimos quando estamos apenas pensando. Se uma sinapse transforma-se milhões de vezes em um dia, então qual o motivo de mantermos para sempre as mesmas opiniões? O longa-metragem, que busca a pacificação pela ficção, evoca outra metáfora: a iminência de um terror de um futuro “nuclear” que testa em áreas mais pobres e que se torna “uma colônia de ricos”, expressão cunhada pelo diretor na coletiva de imprensa do Festival de Cannes, e tudo isso no limite tênue do perigo (a exposição orgânica, visceral e fisiológica do ser humano) com a proteção de um alto funcionário da República e oficial do governo francês.

A contradição está nesses dois mundos tão distantes e tão dependentes. Albert Serra imprime aqui seu olhar visionário, transgressor e cirúrgico a fim de desconstruir estéticas, narrativas e condicionamentos cinematográficos. “Pacifiction” é uma lente de aumento de toda a problematização política do mundo que reflete com acidez, deboche e muitas farpas a máxima dos dominantes e dos dominantes. Com consentimento alienante ou sobrevivência de vida e morte num exótico conto-de-fadas em que a fábula representa nossa esperança de bonança e felicidade. “É um paraíso perdido, o outro lado do paraíso, de pura fantasia da imagem da burguesia nesta política contemporânea, analisando e expondo contradições, e só assim podem refletir o mundo com a complexidade visual própria do cinema e com a ambigüidade moral própria do mundo em que vivemos”, finalizou Albert Serra. 

4 Nota do Crítico 5 1

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